As eleições em Espanha tiveram o resultado que conhecemos: o Partido Popular ganhou mas uma coligação com o Vox é insuficiente para uma maioria nas Cortes. Pedro Sánchez e os Socialistas querem a todo o custo manter-se no poder, mesmo que para isso tenham que ‘vender’ não a alma, mas sim o país. E para tal é imprescindível, não a abstenção, mas sim o voto favorável de catalães e bascos, ou os Espanhóis vão para novas eleições, onde o milagre da sobrevivência de Sánchez pode não se repetir!
Aí Sánchez esbarra com o líder incontestado da Catalunha, o autoexilado há seis anos na Bélgica, Carles Puigdemont, o seu Partido Junts (Juntos pela Catalunha) e os seus seis deputados em Madrid. Entre as suas exigência para viabilizar um novo Governo presidido por Sánchez estão:
- Uma amnistia para todos os independentistas catalães condenados pelo referendo ilegal de outubro de 2017;
- O uso do catalão, do galego e do basco como línguas oficiais no Parlamento espanhol (que a potencial maioria com que Sánchez ambiciona já aprovou e já está em vigor, e contra a qual o Partido Popular convocou uma manifestação em Madrid este domingo);
- Um referendo visando a independência da Catalunha (tema a que voltaremos brevemente, se Sánchez aceitar correr o risco do desmembramento de Espanha);
- O reconhecimento do Catalão, do Galego e do Basco como línguas oficiais da União Europeia (tema que vamos analisar aqui).
Aproveitando ter este semestre a presidência do Conselho da União Europeia, não pela calada da noite mas pela distração do verão, Pedro Sánchez fez o pedido a Bruxelas a 17 de agosto para que as três línguas fossem consideradas línguas oficiais da União. E, face à sua urgência pessoal em conseguir a simpatia de Puigdemont para se manter no poder, abusou da sua posição para rapidamente agendar o tema no Conselho de Assuntos Gerais desta semana, onde, apesar da benevolência da maioria da imprensa, sofreu uma pesada derrota. Aí, Espanha sugeriu mesmo que o catalão entrasse primeiro e as outras línguas depois! ‘ Gato escondido com rabo de fora!’.
Antes de referirmos o que se passou esta semana em Bruxelas, uma reflexão telegráfica sobre o tema:
- A UE tem, segundo os Tratados, 24 línguas oficiais;
- Existem nos 27 Estados da União cerca de 60 línguas minoritárias, e a aceitação deste pedido abriria uma Caixa de Pandora de proporções inimagináveis;
- Espanha nunca pediu este reconhecimento desde a negociação e adesão em 1986;
- Espanha não é um Estado Federal;
- Sánchez só se preocupa com o dia a dia e o seu poder, pouco lhe importa o futuro do PSOE. Uma Espanha sem País Basco nem Catalunha perpetuaria o Partido Popular no poder, com fáceis maiorias absolutas;
- Espanha anunciou que cobriria os custos desta alteração (quer as traduções dos documentos quer a interpretação simultânea mas, como tantas vezes sucede em propostas socialistas, quando indagada não soube quantificar os custos);
- Tal aceitação de novas línguas teria que ser adotada por unanimidade pelos 27 Estados-Membros.
É certo que o catalão, ao ser falado por mais de 9,1 milhões de cidadãos da União, dificilmente poderá ser apelidado de língua minoritária (sendo aliás claramente mais usada na UE que várias das 24 línguas oficiais), mas não fora a conjuntura política atual Sánchez subscreveria tal pedido? Quanto ao galego é falado por 2,6 e o basco por 1,1 milhões respetivamente.
A reação da maioria dos Estados-membros foi bastante fria, nomeadamente com a Itália a pronunciar-se abertamente contra e com os Bálticos a oporem-se, por recearem um pedido semelhante das suas minorias russófonas. Muitos pediram tempo e prudência, como a Suécia e a Croácia, e a França veio em socorro da Espanha, propondo um ‘grupo de trabalho’ e um Parecer Jurídico dos Serviços do Conselho.
A hipocrisia máxima é o comunicado da Presidência espanhola, em típica linguagem ‘bruxelense’: «O Conselho teve um debate construtivo e decidiu continuar a trabalhar na proposta». Traduzido para português, voltamos ao assunto lá para as calendas… l
*Politólogo