Carlos Estrela, Carla, Carminho e Maria: ei-los, quatro nomes cada vez mais conhecidos dos portugueses através da página ‘Café de Bairro’ – @cafedebairro. No entanto, foi Carlos que começou a narrar o seu quotidiano, durante a pandemia de covid-19, em 2020, através do Instagram e, agora, chega a mais de 160 mil pessoas. Ele, a namorada e as duas filhas fazem furor nas redes sociais e contam com uma legião de seguidores fiel que acompanha atentamente aquilo que se passa nos seus dias. E há até quem tenha descoberto a sua identidade.
«Sempre fui uma pessoa um bocadinho confusa. Estive a fazer o Secundário em Informática, fui para a faculdade tirar Cinema e Multimédia porque queria ser repórter de imagem e, ao fim de um semestre, percebi que não era nada daquilo que eu queria. Foi aí que comecei na famosa atividade paralela porque estava um bocadinho perdido na vida. Não posso ainda revelar qual era a área. Entrei noutra licenciatura, mas era algo muito mal pago. Como já não morava com os meus pais, tive de arranjar um emprego. Foi aí que comecei a trabalhar no café. Já namorava com a Carla há um mês e uma amiga dela trabalhava lá», começa por dizer Carlos Estrela, conhecido por ‘Café de Bairro’ no Instagram, em declarações à LUZ. «Parti um bocadinho menos de pratos do que a outra rapariga, menti e disse que tinha experiência. Mas a única experiência que tinha era num café que o meu avô tinha tido há imensos anos. Sou um rapaz desenrascado e lá fiquei!», exclama.
Desenrascado, mas não ao ponto de comer uma bifana lambida por um cão. «Conheci a Carla porque tínhamos amigos em comum. Eu tinha vindo de uma relação e não estava para aí virado. Num dia, vim da minha atividade paralela, ela vinha de uma atividade cultural e encontrámo-nos num café em Carnide. Ela chegou e vinha toda bem-disposta, arranjadinha, sentámo-nos todos e, quando a comida veio, estávamos os dois cheios de fome. E pedimos bifanas. Quando chegaram, comecei a comer a minha, aparece um cão e lambe-me a bifana toda. Podia ter sido uma lambidela de relance, mas não: abocanhou aquilo tudo. Eu, com a minha cara de nojo, já estava a preparar-me para pedir outra, e a Carla disse: ‘O quê? Não vais mandar isso para trás! Dá cá isso’. Eu fiquei com a dela e ela com a minha. E atenção: a minha bifana tinha mostarda e vim a saber que ela não gosta de mostarda! Eu acho que ela já estava um bocado fisgada. Ainda não há uma confissão nesse sentido até ao dia de hoje, mas haverá um dia», afirma com convicção e sentido de humor, regressando ao ponto inicial.
«Sempre entrei nesta área com o objetivo de ‘Quando a atividade paralela der para me sustentar, eu saio’ e a minha patroa soube disso. Só que os anos foram passando e eu continuei lá», conta. Os anos foram passando e, no início de 2020, no início da pandemia, Carlos (nome fictício, ‘de código’), decidiu criar esta conta porque, quando soube que o seu período de lay-off de 3 meses estava prestes a terminar, percebeu que precisava de uma forma de desabafar e lidar com as situações desafiadoras que estava a enfrentar no trabalho. «Comecei a ter mais atividade na conta quando retomei o trabalho. Uma das razões para falar mal da minha patroa, um tema recorrente, é porque ela reduziu o meu salário sem me avisar antecipadamente, apenas no dia em que o dinheiro foi depositado na minha conta», narra, rindo pelo meio.
«No verão, a minha patroa programou o regresso e eu sabia que ainda não teríamos clientes. Continuei a relatar as experiências, das quais muita gente não tem noção, registando tudo nas notas do telemóvel para não me esquecer de nada. Muitas das histórias são verídicas, algumas mais antigas e outras mais recentes, e acontecem quase diariamente», frisa Carlos, adiantando que a maioria dos comentários e partilhas que recebia, em primeira instância, eram provenientes de pessoas que trabalham na área de restauração, turismo e hotelaria, pois muitas delas se identificam com as situações que descreve na página. No entanto, o panorama tem vindo a mudar e as publicações de Carlos abrangem um público mais heterogéneo.
«Alguns clientes do café seguem a minha página, e alguns deles são protagonistas das histórias que partilho. No entanto, há pessoas que não podem ver o conteúdo, estão bloqueadas, pois poderiam facilmente identificar o café em questão e identificar-me. Sou cuidadoso», realça, sendo que considera que «trabalhar na área da restauração é, em geral, bastante desafiador». «Algumas pessoas escolhem esta profissão porque têm uma verdadeira paixão por ela, mas no meu caso, comecei na restauração por necessidade e sem formação na área. Continuo nesta área apenas enquanto não consigo alcançar a minha independência financeira na minha área de formação. O trabalho é exaustivo e lidar com o público pode ser imprevisível, tanto para o bem quanto para o mal».
E exemplifica: «Tivemos uma cliente que era, como posso dizer… Um bocado javarda a comer. A postura, a maneira como pedia, a forma como deixava a mesa. Foi lá durante uma semana e fez sempre a mesma coisa. No último dia, gozei com ela na página. E ela vinha sempre por volta do meio-dia. No primeiro dia a seguir à publicação, a rapariga esperou que o café abrisse. Pensei logo que ela sabia tudo! Mas não, apareceu apenas mais cedo», diz, explicando que, à medida que a página foi crescendo, começou a ter cuidados redobrados com a mesma. «Se uma determinada situação ocorre com uma mulher, digo que foi com um homem. Se foi com um velhote, escrevo que foi com um jovem. É para despistar um bocado», revela.
Despistar, mas rumando sempre ao sucesso. E com a ajuda dos seguidores e também de quem partilha o anonimato com ele. «O Pérolas da Urgência [outra página de sucesso no Instagram] ajudou-me. A minha patroa, durante um ano e tal, não soube da existência da página. Estava bloqueada em todo o lado, a família e os amigos também. Houve um dia em que ia de férias, telefonou-me e disse ‘Café de Bairro diz-te alguma coisa?’». E, no dia em que ela descobriu, o Pérolas fez uma publicação baseada numa rubrica minha e eu ganhei imensos seguidores! Foi um dia agridoce».
«Apesar de as pessoas não saberem quem eu sou, recebo milhares de mensagens por dia. Por vezes, perco-me porque tento responder a todos. É engraçado porque as pessoas criam uma ligação com alguém que não sabem quem é. Tem a ver com a transparência e com o facto de eu ter criado uma espécie de diário digital. Sinto esse carinho todos os dias: sabem que nada está forçado ou esquematizado», salienta. «É claro que não posso falar da forma como falava quando tinha 1000 ou 2000 seguidores, mas mantenho a minha essência».