De cada vez que a Nova Zelândia perde um jogo de rugby as manchetes berram como se tivesse havido um terramoto no sopé das Montanhas do Pamir. Desta vez a derrota foi na fase de grupos do Campeonato do Mundo e foi, por isso, mais chocante porque inédita. Há quem garanta que, em Palmerston North, na sua tumba do Kelvin Grove Cemetery, Charles Munro deu dois pulos sete palmos abaixo da terra, mas ninguém terá o descaramento de garantir que tal é indesmentível. Primeiro porque Munro está no Kelvin Grove Cemetery desde 1933 sem grandes manifestações de agrado ou desagrado sejam elas lá pelo que forem. Depois porque também não existe assim tanta gente que conheça a vida de Charles John Monro.
Nascido a 5 de Abril de 1851 em Waimea West, não longe de Nelson, na parte mais norte da Ilha do Sul, nas margens do Mar da Tansmânea, Nova Zelândia, Charles não era nenhum pé rapado. O pai, David, era o porta-voz da House of Representatives, o que o punha a par de todos os políticos influentes do país.
Figura popular entre os eleitos, tinha uma enorme ambição de ver o filho como oficial do exército e preparou-lhe a infância e a adolescência para que tal viesse a acontecer. E se não aconteceu a culpa não foi certamente do velho David Monro. Ah, não! Não foi mesmo!
Estudante do Nelson College desde fedelho, Charles foi enviado para Inglaterra com 16 anos. Iria ter tudo ao seu alcance para ser um militar de truz não fosse a sua cabeça dura embirrar com a tropa, e isso até só lhe fica bem, pelo menos para mim que também só suspirei de verdadeiro alívio quando vi a Escola Prática de Infantaria de Mafra lá muito longe, pelas costas.
Ainda antes de embarcar, reuniu pai e mãe e avisou que não seria miliar nem morto. Teima de um lado, teima do outro, embarcou à força com o pai furibundo a largar fumo pelas orelhas e passou dois anos no Christ’s College, em Fenchley, nos arredores de Londres, sem pegar num livro e dedicado a renhidos jogos de rugby. Com 18 anos, achou-se suficientemente adulto para largar os estudos e regressar à Nova Zelândia. As orelhas de David ainda fumegavam.
David Munro era um fulano irritável mas não tinha maus fundos. Gostava muito do filho, percebeu que não teria outro remédio se não aceitar a forma como este se opusera à autoridade paterna, e admitiu, mesmo contrariado, que Charles se filiasse no Nelson Football Club, uma organização na qual se jogava um misto de rugby e futebol australiano. Vindo lá de Fenchley, em Inglaterra, o jovem Munro não tardou a convencer os responsáveis pelo clube a dedicarem-se exclusivamente ao jogo de futebol que seguia as regras do rugby. Contou com ajuda de um padre, responsável pela área organizativa, o reverendo Frank Simmons que, nem de propósito, se havia graduado na Rugby School. E assim, no dia 14 de Maio de 1870, perante a curiosidade de 200 espectadores, o Nelson Club e o Nelson College defrontaram-se num campo do Jardim Botânico. Cada equipa entrou em campo com 18 jogadores e foram respeitadas as regras do rugby.
Charles Munro jogou pelo Nelson Club que venceu por 2-0. Por entre a assistência, num lugar de inevitável destaque, David Munro e Lady Munro distribuíam sorrisos e acenos. Olhavam para o filho com orgulho. Não estava fardado mas, enfim, estava equipado e metido no âmago de uma batalha o que ia dar quase ao mesmo.
Charles tinha ambições. A seguinte era a desafiar e vencer o Wellington Club, formado quase por completo por antigos jogadores de rugby que haviam passado por clubes ingleses. O Nelson Club explodia internamente ao sabor do entusiasmo delirante de Munro. Pedincharam o que puderem batendo às portas de quem conheciam. Arranjaram dinheiro para erguer um campo, atraíram adversários para se apresentarem nele, tomavam a liderança de um movimento imparável que começava a espalhar a paixão do rugby por todo o país. Em 1875, Charles deixou de jogar. E, estranhamente, deixou de perder o seu tempo com rugby. Era um homem de posses, comprou um terreno enorme em Craiglockhart, casou-se e teve cinco filhos.
Debruçava-se sobre as mesas de bilhar do muito exclusivo Manawatu Club e dava umas tacadas. Nunca mais pôs os pés num estádio. Chamaram-lhe pai do rugby da Nova Zelândia. Foi um mau pai.