É natural que, muitas vezes, tenhamos queixas sobre o local onde trabalhamos. Vivemos em democracia e cada um está no seu direito de expressar as suas opiniões. No entanto, o panorama muda de figura quando um membro de um órgão de direção de uma universidade, como o de uma empresa ou qualquer outra pessoa coletiva, expõe os seus pontos de vista altamente críticos contra a própria instituição em que trabalha nas redes sociais.
A propósito da notícia divulgada em Agosto sobre o facto de a Nova SBE receber, neste ano letivo, um número recorde de alunos de mestrado (um crescimento de 25% no número de candidaturas face ao ano anterior) e de que, para apoiar os alunos, a instituição atribuiu 1,5 milhões de euros em bolsas de estudo, o professor e membro do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa (FCSH) José Neves escreveu um post na sua página de Facebook onde pode ler-se: «A Nova tem a melhor fábrica portuguesa de encher chouriços. Chamam-lhe school mas é a mania do gourmet a falar mais alto. Basicamente, é o melhor negócio export do país. E como é característico dos nossos liberais, é sustentado pelo estado que eles tanto abominam».
Uma afirmação que gerou polémica e descontentamento tanto na própria Universidade Nova de Lisboa como na NOVA SBE.
‘Lamentável, desrespeitoso, impróprio e deselegante’
Confrontado pelo Nascer do SOL com as palavras de José Neves, Pedro Oliveira, diretor da NOVA SBE, considerou-as “absolutamente inaceitáveis”. “Ainda para mais tratando-se de um membro do Conselho Geral da Universidade. Ele faz um comentário insultuoso sobre factos que dizem respeito a uma unidade orgânica da mesma instituição. O professor José Neves está no mais importante órgão representante da universidade. Portanto, isto não faz qualquer tipo de sentido”, condenou.
Pedro Oliveira revelou ainda que vários membros da universidade também manifestaram de imediato o seu repúdio. “Fizeram-no informalmente junto de mim, da direção, outros fizeram-no de uma forma mais formal, através de uma plataforma de denúncias que a universidade tem. Isso é uma coisa que é gerida pela reitoria, mas sei que houve muitas denúncias”, disse. Na qualidade de diretor, Pedro Oliveira comunicou o sucedido à presidente do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa, Maria Luísa Ferreira, pedindo que o assunto seja discutido numa reunião desse órgão.
Recorde-se que a lei permite às universidades tornarem-se fundações públicas de direito privado, um modelo que oferece vantagens, tais como autonomia salarial ou gestão de património. Além disso, cria também um novo modelo de governação. A Universidade Nova adotou este estatuto em 2017, tendo criado novos órgãos: o Conselho de Curadores e o Conselho Geral.
Com a eleição de elementos de listas contestatárias começou a existir oposição ao funcionamento conhecido como “normal” da gestão da Universidade, levando o Conselho Geral a ser palco de discussões políticas e ideológicas – e lutas entre faculdades – quanto a temas que não foram contestados ao longo de anos.
Admitindo ter alguma dificuldade em especular sobre aquilo que poderá ter estado na base das críticas de José Neves, o diretor da SBE garantiu que tem sentido – e acha que é “um sentimento unânime” na comunidade – “uma hostilidade crescente pelo menos de alguns membros do Conselho Geral, face à nossa universidade”. “É um facto que, no ano passado, estes membros estiveram contra, por exemplo, a aprovação das nossas propinas”, revelou.
“Quando as pessoas têm certas responsabilidades, têm de ter dadas formas de agir e reagir. É como pertencer ao conselho de administração de uma empresa e achar que é uma fábrica, uma unidade de produção que está a produzir um produto defeituoso e eu não faço nada a esse respeito”, defende José António Ferreira Machado, ex-vice reitor da Universidade Nova de Lisboa.
“Eu estou afastado agora, até há um ano fui vice-reitor. Acho que há muita motivação ideológica, há uma convicção de que é mau uma Universidade financiar-se como consequência da escolha dos alunos. Há uma conceção da Universidade virada para dentro que é rival daquela que a SBE tem”. E frisa: “Eu nunca me cruzei com o professor José Neves, mas sei as opiniões políticas dele. Há uma luta política que convém não esquecer. A SBE causa medo à academia mais tradicional. Eu ainda era vice-reitor quando as eleições para o Conselho Geral aconteceram. Há uma liderança forte nessa lista de elementos muito militantes e ligados à esquerda para quem a SBE é uma espinha cravada na garganta. Não é por ser liberal, de esquerda ou de direita, é por epitomizar um modelo de academia que é rival dos outros”, esclarece.
Já o próprio professor José Neves não compreende o porquê de o seu post ser “polémico”: “Eu tenho tantos posts polémicos. Foi um post restrito, que eu até coloco de acesso só para os amigos. Mas independentemente disso, eu não acho que seja polémico. Mas se calhar tem informação que eu não tenho”, disse. Questionado sobre a forma como comparou a instituição a uma fábrica de chouriços, respondeu: ”Das melhores! Foi uma analogia… “. E continuou: “Em democracia as pessoas podem criticar as instituições para as quais trabalham. As direções da NOVA SBE têm tido muitas dificuldades em lidar com posições divergentes em relação aos mais diversos assuntos. Acho que é altura de se habituarem, de uma forma menos dramatizada, a conviverem com a diversidade de opiniões. O post não tem nenhuma ofensa pessoal, nem tem qualquer facto suscetível de ser considerado falso”, argumentou.
Ao Nascer do SOL, o reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, confessou que as declarações de José Neves lhe mereceram o seu “total repúdio”. “Levei o assunto a Colégio de Diretores, o qual, associando-se à minha posição, repudiou-as por unanimidade. Darei também conhecimento desta posição ao Conselho Geral”, garantiu.