A “sorte” de A Garota Não e o “Basta” de João Reis marcam os Globos de Ouro

A gala também ficou marcada por uma homenagem a Ruy de Carvalho, pela sua carreira e por ser o “homem que desafia o tempo, que se vestiu de mil e uma pessoas e se tornou único”

Decorreu durante a noite do passado domingo, a 27ª gala dos Globos de Ouro e numa noite de celebração, João Reis e A Garota Não aproveitaram o discurso em que receberam o prémio para deixar alguns alertas para a sociedade portuguesa e para o mundo.

A vencedora do Globo de Ouro de Melhor intérprete na categoria da música, Cátia Oliveira, mais conhecida pela A Garota Não, decidiu dar os seus agradecimentos através de um poema escrito pela mesma, onde explica que vivemos nos tempos dos “budas, das flores de plástico e das cómodas douradas” e defende que “há quem tenha muita sorte, a sorte a mim, tem-me dado muito trabalho”.

“Vivemos o tempo dos Budas, das flores de plástico e das cómodas douradas
E rimos muito alto, por cima da música alta das esplanadas
Vivemos o tempo da kombucha, do coaching, das soft skills e da gratidão
Saibamos agradecer aos bancos os juros que nos cobram na habitação
Vivemos o tempo mais corrido de sempre
Das metas, dos objetivos, do ‘nem que me esfarrape’
Não há esforço que não valha a pena, seremos todos Luft, Tap
Vivemos tempo de maioria absoluta, de posso e mando, de meritocracia
O mérito mede-se a partir dos dentes, das notas do colégio ou da demagogia?
Obrigada por esta oportunidade, um globo de ouro nas mãos de um ser tão falho
Há quem tenha muita sorte
A sorte, a mim, tem-me dado muito trabalho”

Também João Reis, que encenou a peça “A Praia”, vencedora do Globo de Ouro para Melhor peça de Teatro, aproveitou o seu discurso para deixar alertas para os líderes portugueses e europeus.

O ator e encenador começou com uma analogia da sua “praia”, que remete para a sua peça, afirmado que “É uma Praia um bocadinho negra, é uma praia onde se fala – não se fala porque nós não demos essa carga ao espetáculo nem ao trabalho – mas é um texto que, aqui e ali, remete para a saúde mental”.  

“Nós estamos num período particularmente difícil e sensível das nossas vidas, da nossa história, em que a saúde mental começa a ter uma preponderância e uma dimensão muito assustadoras… E isto tem a ver com o estado das coisas que estamos a atravessar neste momento” começou por dizer.

De seguida, no seu discurso, remeteu para as manifestações que aconteceram “Ontem [sábado], em várias cidades de Portugal e da Europa” onde “estiveram milhares de pessoas na rua a lutar por melhores condições de vida, por uma habitação possível, pela justiça climática” e acabou por deixar o aviso, de que “são tudo pessoas que facilmente podem passar para o outro lado da fronteira”.

“Era preciso que houvesse um líder europeu corajoso para dizer ‘basta’. As pessoas estão a viver muito mal, isto está a ser insustentável. E aquilo que os governos vão gastar em comprimidos, em consultas, em revolta, em radicalismo, em intolerância vai sair-nos muito mais caro do que criar condições para as pessoas viverem com dignidade” conclui.

A gala também ficou marcada por uma homenagem a Ruy de Carvalho, pela sua carreira e por ser o “homem que desafia o tempo, que se vestiu de mil e uma pessoas e se tornou único”.