Dinâmica familiar ambiciosa

As sagas familiares são pouco habituais no desporto, mas há histórias que vale a pena contar como é o caso da família Costa, em que pai e filhos partilham o mesmo balneário com as cores do Sporting.

Nem sempre há espaço para histórias de amor na alta competição, mas esta família contraria essa ideia e confirma que ‘não há amor como o primeiro’. Foi o andebol que juntou Ricardo Costa e Cândida Mota e deu origem a uma história que vai na segunda geração com os filhos Martim e Francisco Costa. Se em relação aos filhos é fácil perceber porque é que o andebol lhes corre no sangue, já os pais tiveram o desporto como cupido e cruzaram-se como jovens praticantes de andebol.

Ricardo Costa começou a sentir o ambiente sagrado do balneário desde muito jovem. “Comecei a jogar andebol por influência do meu irmão mais velho Sérgio”. Curiosamente, a sua primeira paixão foi o futebol, mas as coisas não correram como desejava. “Com 11 anos jogava futebol numa freguesia de Vila Nova de Gaia e decidi ir aos treinos de captação no FC Porto, mas não fui escolhido. Disseram-me para tentar no Boavista, que era capaz de ser mais fácil ficar. Nessa altura não era como agora em que os pais pagam para ter os filhos nas academias. Só ficava quem era muito bom ou tinha cunhas, como eu não tinha cunhas e nem era fora de série não tive hipótese”, lembrou. Foi então que decidiu jogar a bola com as mãos. “Quando entrei para o Colégio dos Carvalhos, estudei lá do quinto ano ao 12.º, o professor de educação física José Magalhães convidou-me para jogar andebol. Tinha 11 anos e, desde então, nunca fiz um ano sabático”, disse-nos com natural orgulho. Ricardo Costa jogou depois no Boavista, FC Porto e Águas Santas, antes de se mudar para Espanha, onde esteve seis épocas como jogador do Algeciras e Ademar León, e conquistou uma Taça da Liga espanhola. Foi dos primeiros andebolistas portugueses a ter êxito no estrangeiro.

O ex-jogador começou por nos falar da sua experiência além-fronteiras. “O nível competitivo era muito elevado, havia cinco ou seis equipas que lutavam pelo título. O ano de 2011 foi conturbado pela crise económica em Espanha. Algumas equipas ficaram sem dinheiro e o campeonato nunca mais voltou a ser o mesmo. Atualmente, o Barcelona é o eterno campeão, ninguém lhe faz frente”, explicou. Quando regressou de Espanha decidiu, aos 36 anos, deixar de jogar e seguiu a carreira de treinador “embora me sentisse com capacidade para jogar”. Começou a treinar os escalões de formação do Colégio dos Carvalhos, foi selecionador de Cabo Verde e depois treinou o Maia, o FC Porto, o FC Gaia e o Avanca.

A sua mulher, Cândida Mota, também recordou a altura em que se iniciou no desporto: “Comecei a jogar futebol na minha freguesia com 12 anos, depois passei para o andebol e joguei no Perosinho já como federada”. Jogou até aos 25 anos, foi internacional e venceu uma Taça de Portugal e uma Supertaça pelo Colégio de Gaia.

Nunca jogaram no mesmo clube, mas partilharam o mesmo pavilhão. “Conhecemo-nos através de um amigo comum, que era treinador e árbitro, e apoiava a equipa onde a Cândida jogava. Um dia, apresentou-me às jogadoras e ela reparou em mim”. Os desígnios cósmicos fizeram o resto. “A minha avó paterna vivia ao lado do café que a Cândida frequentava e começamos a encontrar-nos”, contou Ricardo Costa. É reconhecido que quando os desportistas vivem um processo de enamoramento experimentam uma grande motivação, isso é crucial quando se trata de desportistas em plena adolescência e jovens adultos com foi o caso de Ricardo e Cândida, que fizeram carreira no andebol e foram internacionais.

Muito para conquistar

Os dois ex-jogadores são pais de Martim Costa e Francisco Costa, o Kiko. Martim é o mais velho, tem 21 anos, é lateral esquerdo e, tal como os pais, começou a jogar no Colégio dos Carvalhos em 2011. Passou depois pelo Gaia e FC Porto antes de ser contratado pelo Sporting em 2021. É internacional português, foi vice-campeão europeu de sub-20 e venceu duas Taças de Portugal com os leões. Francisco Costa, tem 18 anos, é lateral direito, iniciou-se no Colégios dos Carvalhos na mesma altura do irmão, jogou depois no Gaia, FC Porto e Avanca, antes de chegar ao Sporting há dois anos. Venceu duas Taças de Portugal. É internacional português, sagrou-se vice-campeão europeu de sub-20 e foi o melhor marcador da competição. A imprensa internacional afirmou que é um dos grandes talentos do andebol mundial. Desde muito novo que o seu sonho é ser o melhor do mundo e caminha para isso. Em dezembro de 2022 foi considerado o melhor lateral direito jovem do Mundo pelo site Handball Planet e ficou em segundo lugar na eleição do melhor jovem do Mundo. “É um bom indicador, mas isso só foi possível com a ajuda dos meus colegas e da equipa técnica do Sporting. Quero ser um dos melhores jogadores do mundo e trabalho para isso”. Fica registado!

Os manos Costa têm o mesmo objetivo: “Fazer carreira internacional e jogar nos melhores clubes”, frisaram, com o pensamento no Barcelona, tendo Francisco salientado o sonho de “conquistar um título por Portugal”. “Seria um marco histórico e temos condições para o conseguir”.

Na opinião do pai, os dois têm muitas coisas para conquistar. “As pequenas distinções servem para terem a perspetiva daquilo que podem ganhar no futuro, isto é só o início”, diz. Na perspetiva do treinador têm uma coisa muito boa que é “serem mentalmente muito fortes”. “Apesar de serem dos mais novos do plantel não se intimidam. Depois, têm facilidade de atirar à baliza, gostam de marcar golos, e complementam-se porque jogam em lados opostos e ajudam-se um ao outro. São bons no ataque, mas têm de crescer na vertente defensiva. Para terem dimensão internacional têm de conseguir atacar e defender muito bem, pois os jogos hoje em dia são muito rápidos”.

Mudança para Lisboa

Em junho de 2021, a vida desta família mudou por completo com a transferência do marido e dos filhos para o Sporting. “Foi o pacote completo”, gracejou a mãe. A adaptação a Lisboa foi natural. “Conhecíamos a zona onde moramos, mas como namorados. A Expo é uma zona agradável e estamos perfeitamente integrados”, disse Cândida. Os filhos entraram este ano na faculdade para frequentar o curso de fisioterapia, seguindo o exemplo dos pais, que se licenciaram ao mesmo tempo que faziam o percurso de jogadores.

Ricardo Costa recebeu o convite para treinar o Sporting, só que os filhos jogavam no FC Porto e não queria deixar a família no norte do país. “Perguntei-lhe se queriam ir para o Sporting, como eles concordaram decidi aceitar”. O Sporting pagou a cláusula de rescisão de 250 mil euros e vieram os quatro para Lisboa. “O projeto era aliciante a todos os níveis, a mãe teve mais dificuldade porque é professora de edução física e tinha a vida estabilizada”, reconheceu. De salientar que o contrato que liga os dois jovens ao Sporting tem uma cláusula de rescisão de 1.2 milhões de euros, um valor nunca atingido nas modalidades em Portugal.

É raro, mas não é caso único dois jogadores serem treinados pelo pai. Os irmãos Dani e Alex Dujshebaev são treinados pelo pai Talant no Lomza Vive Kielce, clube polaco que foi campeão europeu em 2015/16 e finalista vencido em 2021/22.

Uma equipa tem objetivos, procura a alta performance e não admite atletas que não estejam comprometidos. Já as famílias toleram melhor alguns comportamentos em nome de um amor incondicional e não buscam as performances. No caso do clã Costa, pode dizer-se que a equipa tornou-se uma família e a família funciona como uma equipa. Ricardo Costa falou da forma como uma e outra se complementam. “Uma equipa tem de ter princípios que a família deve defender, como a união, cumplicidade, entreajuda, resiliência e saber ultrapassar os maus momentos em conjunto. Os valores que defendemos em família também os passamos para a equipa, que são a forma de estar, sermos frontais e equitativos para não favorecer ninguém. Nos dois casos, as regras têm de estar bem definidas desde o início”, sublinhou.

Ricardo Costa tem naturalmente a sua filosofia de trabalho, na qual exige grande compromisso de todos. “Sou uma pessoa muito intensa e passo isso para o treino. Gosto de muita intensidade”, tendo sido interrompido pelo filho Martim, que disse a sorrir: “já estou habituado”. “Desde que sou sénior que treino dessa forma. Tenho de saber lidar com essa exigência. Gosto muito de ganhar e tem de ser assim para atingir os objetivos”, no que foi corroborado pelo irmão mais novo, mas a mãe deixou escapar que “às vezes podia ser um pouquinho menos intenso”.

O treinador do Sporting aceita que um jogador lhe diga que ‘não está’ e aí dispensa-o, mas não admite que vá para o treino e não dê o máximo. Essa filosofia tem dado resultados. “A equipa do Sporting é muito intensa a jogar. Somos muito fortes na irreverência, na vontade ganhar, em ser audazes e pensar que ainda não ganhámos o suficiente, isso tem trazido crescimento. Não gosto de deixar passar nada”. Mas também sabe ouvir: “Há atletas que me questionam e exigem mais de mim, isso faz-me crescer como treinador”. O grupo tem esse espírito e o treinador não é pessoa para dar conforto. Contudo, nem sempre as coisas correm bem; “também já perdemos jogos, já tive decisões erradas e eles já jogaram mal, mas temos de aceitar porque a vida é muito mais do que andebol”, lembrou.

Manter as relações estáveis e conservar um bom estado emocional dentro e fora do recinto de jogo é fundamental. Nesse sentido, o andebol entra no ambiente familiar, mas com regras. “Tento fazer um esforço para não ser demasiado chato em casa. Mas muitas vezes a conversa vai ter ao andebol”, admitiu. O desporto é um catalisador que permite ter a mesma visão das coisas, mas numa família de potenciais vencedores é normal haver opiniões diferentes e, por vezes, “temos conversas mais acaloradas”, assumiu o pai-treinador.

Cândida Mota também se referiu à família andebolista. “Conheço o Ricardo há tantos anos que imagino como seja nos treinos. Como jogador era muito intenso e sempre com vontade de ganhar, o que não é muito o meu feitio. Sou mais tranquila. O Kiko e o Martim retiram essa parte do pai e são bastante lutadores, intensos e têm uma mentalidade ganhadora”, ideia que foi reforçada pelo treinador. “Eles são os mais chatos da equipa. Por vezes, estamos na fase de aquecimento e são os que mais questionam o treinador-adjunto”.

A qualidade de Portugal

Ricardo Costa deu-nos ainda a sua opinião sobre o estado do andebol português a nível de clubes. “Existe grande competitividade e o campeonato ficou mais interessante na fase final devido ao modelo competitivo. O futuro é risonho, pois há jogadores jovens com muita qualidade. Temos tudo para continuar a melhorar e conseguir bons resultados”, e explicou que “tanto o Sporting, como o Benfica e o FC Porto têm feito um excelente trabalho na formação”. Passou depois “a bola” aos filhos. “O andebol em Portugal tem evoluído bastante, os principais clubes têm investido mais e temos jogadores novos com muito valor. Essa melhoria reflete-se na seleção nacional, que tem mais qualidade e tem conseguido bons resultados nas competições onde participa”, disse-nos Martim. O irmão Francisco partilha a mesma ideia: “A qualidade aumentou muito. Os clubes têm feito um trabalho excelente e temos conseguido resultados a nível de seleção. Portugal foi vice-campeão europeu de sub-20, a equipa de Sub-21 foi sexta classificada no Mundial e a seleção feminina foi quarta classificada no europeu de sub-19, por isso considero que o futuro é bastante promissor”.

Ricardo Costa foi internacional e realçou os bons resultados obtidos pela seleção nacional. “Portugal evoluiu bastante. Temos rapazes com muito valor”, e arriscou dizer que a seleção nacional “está no top-10 a nível mundial”. Fez ainda questão de recuar no tempo para referir “que a alteração do modelo competitivo tornou o apuramento mais acessível”, e lembrou que “durante 12 anos Portugal só se qualificou uma vez”. “O momento mais alto foi o apuramento para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 com a vitória sobre a França. Foi um jogo disputado em circunstâncias muito difíceis devido à morte de Alfredo Quintana. A equipa abanou, mas deu uma resposta fortíssima”.

O próximo grande desafio dos Heróis do Mar, é assim que ficou conhecida a seleção, é o Campeonato da Europa, a realizar na Alemanha, em janeiro de 2024, onde vão estar 24 seleções, e que dá o apuramento olímpico para Paris 2024. “Vão ter uma tarefa difícil. Apenas 12 equipas participam nos Jogos Olímpicos, e há poucas vagas para as equipas europeias, temos de ficar entre os cinco primeiros do Europeu”, explicou-nos Francisco Costa, para quem participar nas olimpíadas é uma meta.