De todos os nomes a candidatos à Casa Branca, Vivek Ramaswamy é o que melhor incorpora o sonho americano. Resta saber se a América desse sonho ainda existe.
«Nem desejo, nem sorte. Os meus pais chegaram a este país sem dinheiro, há 40 anos. E eu fundei empresas multibilionárias».
A história de Vivek Ramaswamy desafia os incrédulos do sonho americano. Filho de pais imigrantes indianos recém-chegados aos Estados Unidos, Ramaswamy nasceu e cresceu em Cincinnati, Ohio. Aos 39 anos, a fortuna do candidato à nomeação republicana é avaliada em mais de 950 milhões de dólares.
Vivek atribuiria mais tarde os alicerces do (seu) sucesso ao contexto em que cresceu e à educação que recebeu do pai engenheiro e da mãe psiquiatra: «Os valores que eles me ensinaram eram mais culturais do que políticos. Era isso que nos importava, as fundações morais», diria em entrevista à TIME. O maior dos privilégios, para o candidato, é ter crescido num lar com um pai e uma mãe focados no seu sucesso escolar, e com fé em Deus.
A adolescência e juventude de Vivek contam a história de uma América diversa. Depois de frequentar uma escola onde a maioria dos alunos eram negros, estudou num liceu Jesuíta onde era o único aluno hindu, numa turma de alunos maioritariamente brancos e católicos. Aluno de excelência e jogador de ténis (chegou ao ranking nacional), nos tempos livres tocava piano para doentes de Alzheimer.
Terminou o liceu em 2003, e coube-lhe fazer o discurso de graduação. Lembrou o episódio que mais o marcara: a primeira missa no liceu, e a forma desesperada como seguia os gestos dos colegas, enganando-se na hora de se levantar e sentar, tentando acompanhar os cânticos. A experiência deixou marca: «Lembro-me de sair de St. Xavier com uma fé pessoal que não era nem católica nem estritamente hindu, mas era uma fé que eu finalmente podia chamar de minha».
O fim do discurso veio em jeito de premonição. Disse aos colegas que, no fim de uma viagem que não seria determinada pelo desejo nem pela sorte, poderiam encontrar-se num destino muito diferente daquele que imaginavam naquela noite. Talvez não imaginasse, então, que daí a vinte anos estaria a disputar a nomeação para a corrida à Casa Branca.
Entretanto entra em Harvard, onde se licencia em Biologia, summa cum laude. Foi nesses anos, em que também se dedicava ao rap sob o pseudónimo “Da Vek”, que despertou para a política: «Considerava-me um libertário, um libertário convicto».
Em 2007 começou a trabalhar para a QVT Financial e, aos 28 anos, tornou-se sócio do fundo de investimento. Mas, em 2014, decidiu criar a Roivant Sciences, com o intuito de desenvolver medicamentos que outras farmacêuticas tinham abandonado. Nem tudo foram sucessos, mas, três anos depois, a empresa que começara com dez trabalhadores angariava 1.1 mil milhões de dólares.
«Capitalismo de excelência»
Se há uma causa que define Ramaswamy é a da resistência ao que o candidato descreve de “wokismo corporativo”. Desde 2020, num contexto muito marcado pela pandemia e pelos protestos do movimento Black Lives Matter, Vivek tornou-se mais vocal a denunciar os efeitos do “wokismo” no mundo corporativo, especificamente a imposição dos critérios ESG (environmental, social e governance).
No seu bestseller Woke, Inc: Inside Corporate America’s Social Justice Scam, lançado em 2021 depois de abandonar o cargo de CEO da Roivant, Ramaswamy acusa o corporativismo woke de «roubar o nosso dinheiro, a nossa voz e a nossa identidade», defendendo que as empresas não devem tentar moldar os valores sociais e culturais. Um ano mais tarde fundava o Strive Asset Management, um fundo orientado para a maximização do lucro e prossecução da excelência, alheio aos imperativos da justiça social ou climática. Ainda em 2022 lança mais um livro – Nation of Victims: Identity Politics, the Death of Merit, and the Path Back to Excellence – onde critica a cultura de vitimização que, segundo Vivek, tomara conta das instituições americanas.
E Pluribus Unum
Vivek quer recuperar uma ideia de América que permita unir uma nação desavinda. E para isso, defende, é preciso recuperar uma identidade comum: «Ansiamos por ser parte de algo maior que nós, mas não conseguimos sequer responder o que significa ser americano».
Mas o candidato não veste a pele de conservador: «Sinto-me a recuar sempre que alguém me descreve como um conservador. Não que haja alguma coisa errada em ser-se conservador, apenas não é assim que me descreveria». Mas isto não parece incomodar segmentos do eleitorado republicano, conservador ou antiprogressista, que veem em Vivek um porta-voz na luta contra o “totalitarismo cultural” imposto pelas “elites liberais”.
Isto porque Vivek, o político sem experiência, vestiu a pele de guerrilheiro cultural, não hesitando em investir contra o establishment dizendo, por exemplo, que, caso chegue à Casa Branca, acabará com a discriminação positiva, com o Departamento de Educação e com o FBI, e perdoará Trump.
Também não se abstém de desafiar o pensamento hegemónico com as suas “10 verdades”, um conjunto de afirmações hoje tidas como problemáticas, e que estruturam a sua campanha: «Só existem dois géneros»; «A prosperidade humana requer combustíveis fósseis»; «Uma fronteira aberta não é uma fronteira», ou «A família nuclear é a melhor forma de governança que a humanidade conhece».
No vídeo de lançamento da corrida à nomeação republicana, Vivek anuncia: «Isto não é só uma campanha. Isto é um movimento cultural para criar um novo sonho americano para a próxima geração». (Re)criar esse sonho, na perceção do candidato, implica recuperar o (hoje maldito) conceito de meritocracia: «A ideia de que, neste país, progredimos não com base na cor da nossa pele, mas no conteúdo do nosso caráter».
A grande questão que Vivek Ramaswamy, o político, suscita, é se a América que invoca ainda existe (ou se alguma vez existiu). Em terceiro lugar nas sondagens para as primárias republicanas, atrás de Donald Trump e Ron DeSantis, não parece existir, por agora, espaço para Ramaswamy num país dividido, onde se antecipa uma eleição extremamente polarizada entre dois veteranos da Casa Branca.
Ainda assim, não deixa de ser possível que em 2024 Ramaswamy chegue a um destino que há vinte anos, quando fez aquele discurso de graduação, seria inimaginável: a vice-presidência da Casa Branca.