Música: a maravilhosa aventura de um Pacote de Ratos!

Foi Lauren Bacall, a mulher de Frank Sinatra, que ao vê-los todos abandalhados e com vários copos em excesso, soltou: «You like a pack of rats!» Um universo completo de música, cinema e sobretudo riso, muito, muito riso!

Se quisesse traduzir a expressão assim à trouxe-mouxe, e vendo bem é isso mesmo que quero, chamar-lhes-ia Pacote de Ratos. Claro que também não precisam de tradução: este grupo de malandrins resolveu brincar com uma coisa muito séria como é a música, sobretudo com a música que cada um deles fazia individualmente. Por isso, daqui para a frente, uso o nome original, bem à americana: Rat Pack! Assim mesmo com ponto de exclamação. A exclamação devida a gente como Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr. e Joey Bishop. Caspite! Não havia razões de queixa, ou era o público tão esquisito assim? Se fosse bem podia ir apanhar gambozinos de madrugada nas docas de Staten Island.

O nome não tem nada de romântico e diz a lenda que terá surgido numa noitada de exageros, na qual Lauren Bacall olhou para aquela tralha de fatos amarrotados e gravatas descaídas e disse lá do alto da sua indiscutível classe: «You look like a pack of rats!». Não se ofenderam. Pelo contrário. Humphrey Bogart, que esteve casado com ela a eternidade hollywoodiana de 17 anos, até se riu. E adotou o nome em nome dos companheiros, esse bando de ratos que parecia não ter eira nem beira. Mas tinham eira e tinham beira, vamos lá dar folga aos cavalos. E espalharam os Rat Pack pelos ouvidos de todo o universo.

O grupo foi tão heterogéneo que meteu, inclusive, o Errol Flynn, já mesmo depois deste ter representado o Robin dos Bosques uma boa centena de vezes tanto no cinema como no teatro. Podem perguntar à vontade o que pretendia, de facto, esta pandilha de pândegos mas digo-lhe sem problemas de consciência que não vai encontrar resposta nem que tenha a infinita paciência de ler este texto até ao fim. Basicamente, o mais que posso revelar, é que queriam divertir-se e cantar e tocar música. E no final dos anos 40, geralmente nos casinos de Las Vegas, juntavam-se para perder dinheiro no bacará e despejavam em seguida as frustrações subindo aos palcos inopinadamente. Eram mesmo assim: de uma espontaneidade desarmante.

Voltemos à esbelta Lauren Baccall, ainda amantíssima esposa de Frank Sinatra. O casal vivia em Holmby Hills, uma zona de vivendas finíssima e de gente das melhores famílias, mais tarde superada pelo glamour de Sunset Boulevard. Frank Albert tinha, ao tempo, a alcunha meio mafiosa de Chief of the Board, o que não dava grande vontade de se entrar com ele nem numa roda de vira quando mais numa banda, e Lauren tinha deixado de ser Betty Joan Perske para adotar um nome bem mais cinematográfico. Naquela fase da madrugada em que já se encontravam meio pinguços, convidavam (ou ordenavam, tanto faz) que a malta que ainda se mantinha em pé à sua volta fosse até à casa de ambos mastigar mais umas salsinhas e escorropichar bourbons. Cada um pegava naquilo que tinha mais à mão (não, não contando com os copos) e atirava contra janelas e paredes e os músicos tocavam e cantavam o que conseguiam, todos eles já nem soltavam sons de muito apuro, mas foram-se tornando, uns para o outros, indispensáveis. Eles e os discos editados e fenómenos de vendas: It Happened in Brooklyn (1947 – Frank Sinatra Peter Lawford); Meet Me in Las Vegas (1956 – Sinatra and Sammy Davis Jr.); Some Came Running (1958 – Sinatra and Dean Martin); Never So Few (1959 – Sinatra, Lawford e, de início Davis, que foi substituído por Steve McQueen); Ocean’s 11 (1960 – Sinatra e Martin, Davis, Lawford, Angie Dickinson, Joey Bishop); Pepe (1960 – Sinatra, Martin, Davis e Lawford Bishop); Sergeants 3 (1962 – Sinatra, Martin, Davis, Lawford e Bishop); The Road to Hong Kong (1962 – Sinatra e Martin); Come Blow Your Horn (1963 – Sinatra e Martin), e por aí em diante. Só Sinatra, o Old Blue Eyes, atraía multidões, na sua maioria feminina. E não se tratava de um grupo exclusivo, bem pelo contrário. Esticava-se e alargava-se para receber gente de todas as espécies, tal como Ava Gardner, Nat King Cole, Robert Mitchum, Elizabeth Taylor, Janet Leigh, Tony Curtis, Lena Horne, Jerry Lewis, Cesar Romero e o canastrão do Mickey Rooney. Serve, portanto, isto para concluir que o Pacote de Ratos se alimentava vorazmente da amizade. Amigo que traz amigo que traz amigo e traz amigo. Foram ficando…

Uns para os outros

Viajando de Este para Oeste dos Estado Unidos e volta, os Rat Pack que atuavam deixavam sempre mensagens de apoio àqueles que sabiam momentaneamente sem trabalho. Eram a melhor forma de publicidade da arte de cada um. O público não ficava indiferente. E quando, de súbito, três membros do grupo, Sinatra, Dean Martin e Shirley McLane decidiram participar num filme chamado Some Came Running, dirigido por Vincent Minelli, em 1948, um portão abriu-se de par em par aos moços que cantavam, dançavam e faziam comédia quase por brincadeira. O produtor Peter Lawford comprou os direitos de uma história acerca de um bando que só assaltava casinos em Las Vegas e resolveu discutir com Frank Sinatra o futuro da película. Frank não foi de modas e impingiu-lhe logo Dean Martin, Sammy Davis Jr., Joey Bishop, Angie Dickinson, Cesar Romero e Shirley MacLaine para diversos papéis. Desta forma nasceu Ocean’s 11 que, neste setembro de 2023, já deve andar pelos Ocean’s 154 tantas foram as sequelas mais recentes. O êxito! E a felicidade abundava! Don Rickles, um humorista que andava sempre na esfera do grupo comentou: «I never received an official membership card but Frank made me feel part of the fun». Era isso! Fazer parte dos Rat Pack era um prestígio ao qual nem todos tinham direito. Era uma espécie de salvo-conduto para se rir, se rir muito, até não poder com dores nos abdominais.

«The end is near…»

O tempo parece ser contra o riso e transporta consigo a tristeza da morte. A pouco e pouco, começando por Humphrey Bogart, as grandes figuras dos Rat Pack perderam-se nas largas pradarias do nunca mais. Dean Martin e o filho Dean Paul Martin morreram num desastre de avião em Março de 1995. Poucos dias mais tarde, quando o colocaram perante a porta deixada em aberto por Sammy Davis Jr. para o regresso dos Rat Pack, Frank, The Guy from Hoboken, irritou-se profundamente: «I don’t want to ear nothing about that stupid phrase». O Pacote de Ratos resistiu ao passar dos anos mas não sobreviveu à armadilha que lhe montaram com o veneno da melancolia. Resta a memória: «A cigarette that bears a lipstick’s traces/An airline ticket to romantic places/And still my heart has wings/These foolish things remind me of you/A tinkling piano in the next apartment/Those stumbling words that told you what my heart meant/A fair ground’s painted swings/These foolish things remind me of you…».

Sammy ainda tinha convencido Frank e Dean a atuarem juntos outra vez: no Oakland-Alameda County Coliseum Arena, no dia 13 de março de 1988, perante uma enchente completa de 14.500 espetadores. Lizza Minnelli também entrou. Para a segunda parte. Martin decidira fumar um cigarro às escondidas, foi atacado por uma tosse convulsa que não enganava ninguém em relação ao cancro que lhe comia os pulmões, e despacharam-no para o hospital. Dois anos depois foi o próprio Sammy Davis Jr. a entregar a alma ao criador com um cancro na garganta, Francis Albert, o mais velho, enterrou-os a todos, No caso de Sammy pondo-lhe um relógio de ouro no pulso já com o cadáver bem arrumado no caixão. O derradeiro concerto que deram chamava-se apologeticamente The Ultimate Event Tour.