Em Portugal, quando o assunto é a política, é difícil estabelecer a diferença entre várias posições: a diferença entre um ato violento e um protesto; a diferença entre um apoiante de ditaduras e um democrata; a diferença entre o orgulho e a falta de vergonha. É natural. Somos uma jovem democracia a caminho dos sessenta anos e estes conceitos complicadíssimos ainda não foram bem assimilados.
Isto vem a propósito de dois atos políticos que foram classificados pelos media de forma diferente.
O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, foi atacado com tinta durante uma conferência sobre energias verdes; as atacantes que o interromperam e lhe lançaram tinta não foram consideradas agressoras, nem desordeiras, nem fascistas, mas, sim, ativistas – um título que em Portugal enobrece os seus praticantes. É certo que o ministro com a barba verde ficou com um charme inesperado, mas a sua camisa branca foi decerto para o lixo, assim como o direito democrático de falar em público sem ser agredido.
Dias antes, a escritora Lúcia Vicente e o ilustrador Tiago M. foram impedidos de lançar o livro infantil No Meu Bairro por outro grupo que não apreciou o conteúdo do mesmo. Temas como identidade de género, ativismo, racismo e bullying não seriam – na opinião daquele grupo – adequados para as crianças. O grupo tentou impedir o lançamento do livro, insultou os autores, mas não lhes arremessou tinta ou outros objetos. O Expresso qualificou-os como «desordeiros de extrema-direita», fascistas portanto.
A discordância pacífica é um dos pilares da democracia. A discordância mediante o silenciamento daqueles com os quais discordamos é um ato antidemocrático. O silenciamento acompanhado de violência, contra pessoas ou o património, é ainda mais contrário à liberdade de expressão, logo à democracia. E, no entanto, uns são ativistas e os outros fascistas. O que nos leva a concluir que não é o ato ou o grau da violência praticada que define as pessoas envolvidas, mas sim a causa que defendem. Ou seja, se estas mesmas pessoas tivessem trocado de posições – as meninas atiravam tinta à escritora, e o grupo da livraria interrompia o ministro –, então as ativistas passariam a ser fascistas e os desordeiros de extrema-direita passariam a ser ativistas. Entretanto, durante os protestos contra a falta de habitação, aqueles que partiram montras e janelas foram poeticamente apelidados de «jovens».
Se a política nacional parece mirabolante, o jornalismo executa passes de mágica.
A razão desta magia semântica que legitima a destruição de património e a violência contra pessoas poderá advir de uma prática ainda mais misteriosa e difícil de compreender nos países civilizados. É possível apoiar ditaduras como a da Coreia do Norte, onde o povo morre à fome enquanto o regime constrói armas nucleares, ou apoiar ditaduras onde há presos políticos e violações dos direitos humanos, como Cuba e a Venezuela, e proclamar que se defende a Democracia e a Liberdade. Será posto a ridículo o caçador que se considere defensor dos animais; será trucidado quem criticar as minorias; mas todo o louvor para quem apoiar as ditaduras certas.
O grande circo do branqueamento dos inimigos da democracia é uma tenda vermelha com uma estrela, uma foice e um martelo como pináculo.
Escritor