Costa e o Castelo

Melhores empregos e melhores salários? Não, nivelar por baixo e subsidiar. É esta a visão e a receita do Governo e de António Costa para contornar um problema de fundo.

O ditado popular já tem barbas: “ninguém dá nada a ninguém”. E acharíamos nós que este dogma ancestral estaria já tão incrustado nos nossos governantes que se escusariam a colocar isto em prática, cientes de que a petulância de presumir a ignorância alheia em política tinha os seus dias contados. Só que falamos da maioria absoluta socialista e, por isso, desenganem-se os incautos: desta vez, até vieram com “presentes”, ainda em pleno verão, quais pais ou amantes que varrem remorsos em prendas de última hora na esperança de que tudo ficará bem.

Pois bem: com toda a pompa e circunstância, António Costa anunciou, em Évora, entre outras medidas, a devolução do valor da propina aos jovens licenciados por cada ano de trabalho. E porque é que podemos concluir que nos estão a atirar areia para os olhos, persistindo em nivelar por baixo e manter este contexto miserável de empregos precários e baixos salários que a realidade portuguesa teima espelhar?

Ao contrário do que os propagandistas arregimentados vociferam, enquanto se acotovelam para ver quem bate palmas primeiro, não estamos a falar da “propina 0”, ou, melhor dizendo, a propina não irá acabar – a propina continuará a ser paga, porém, a diferença é que o valor anual da propina pública (atualmente nos 697€) é devolvido a quem termina a licenciatura e arranja trabalho, por cada ano de trabalho até perfazer os anos da licenciatura.

Não é difícil aferir que aqueles que mais beneficiarão com a medida serão, naturalmente, os que mais posses têm, dado que, se já não tinham tantas dificuldades em pagar a propina durante a faculdade, esta ainda lhe será devolvida quando arranjarem trabalho. Um rendimento extra para quem mais tem suportado por quem menos tem: a mão visível que nos vai ao bolso enquanto a outra nos dá a presunçosa palmadinha nas costas.

Melhores empregos e melhores salários? Não, nivelar por baixo e subsidiar. É esta a visão e a receita do Governo e de António Costa para contornar um problema de fundo. É isto que nos oferecem para o presente e para o futuro!

Assistiremos a ofertas salariais a jovens qualificados ainda mais baixas por parte das empresas, cada vez mais sobrecarregadas de encargos e impostos, que, perante esta falsa “benesse” que é dada pelo Governo, e face à ânsia destes jovens recém-licenciados em arranjar emprego, ganhar dinheiro e também reaverem o que pagaram pela licenciatura, tenderão a pagar menos aos seus futuros trabalhadores.

No topo de tudo isto, questiona-se: será esta medida a panaceia para estancar a emigração de jovens qualificados para Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, onde ganham substancialmente mais? Não vão ser, certamente, os quase 60€ por mês durante um ano que os demoverão da decisão de buscar melhores condições noutro país. Pudera, já que os salários, esses, continuarão baixos e as condições, essas, continuarão precárias!

O país real segue, sem complacências para engodos e muito menos para meias medidas, irremediavelmente vivendo o presente sem o travo amargo do porvir. A tal portugalidade que falam vê-se no remendo, na superação do dia-a-dia, naquilo que tão coloquialmente chamamos de “desenrascanço”, sem, no entanto, deixar de sonhar, mesmo que isso represente partir sem data de regresso. Mas aquilo que os nossos pais não desejam é que a esta geração, neste país, lhes convençam, por vias travessas como esta medida, que a sua ambição está para lá do seu talento e que a carolice é o preço a pagar para ancorar no seu país.

José Paulo Miler