João Chalupa. Uma ideia pioneira, uma aventura única

Sempre foi uma pessoa bastante aventureira. Está quase sempre de sorriso no rosto, como quem diz à vida estar pronto para qualquer desafio.

É conhecido por ter entrado para o Guinness World Records em 2019, com o seu stick de hóquei. Agora, tornou-se o primeiro a percorrer Portugal de ponta a ponta em patins. Numa viagem que durou 12 dias, João Chalupa patinou 798 quilómetros com sol e chuva, dores e pavimentos em péssimo estado.

Está sempre em busca de algo mais. «Quero-me superar e ultrapassar novas barreiras», começa por explicar à Luz.  Por isso, luta muito pelo que quer e o faz feliz, mesmo que para lá chegar, tenha que «penar». Admite que não gosta de estar parado muito tempo sem inventar qualquer coisa e quanto mais fora da caixa, «melhor é a ideia».  Conhecido pelos vídeos de freestyle relacionados com o desporto, João Chalupa, natural de Santiago do Cacém, entrou para o Guinness World Records em 2019 como o hoquista que deu mais toques na bola com o stick num minuto, com um recorde de 513 toques (cerca de 8.7 toques por segundo). Recentemente, pela segunda vez, conseguiu um feito que, até agora, ninguém conseguiu: percorrer Portugal de patins em linha.

A aventura começou na manhã de 27 de agosto, um domingo. O atleta partiu de Caminha, em Viana do Castelo, em direção ao sul do País, numa viagem que só terminou a 7 de setembro. João Chalupa passou pelo Porto, Aveiro, Figueira da Foz, São Pedro de Moel, Santa Cruz, Sintra, Belém, Quinta do Conde e Sines, até chegar a Portimão. Entre suores, dificuldades, buzinadelas, bolhas nos pés, pisos extremamente irregulares, noites em tendas, chuva e ameaças de quedas, foram 12 dias e 798 quilómetros a patinar.

Mas comecemos pelo início… A sua paixão pelo hóquei em patins começou aos 6 anos, quando, por vontade da sua mãe, foi para o voleibol. «A minha mãe tinha jogado voleibol durante muitos anos e levou-me ao pavilhão municipal de santiago do Cacém para experimentar», conta. No entanto, o dia que fez o seu primeiro treino de volei, coincidiu com um treino de hóquei logo a seguir. «Na altura era o único rapaz a jogar volei naquela equipa e na equipa de hóquei tinha muitos dos meus colegas a jogar. Alguns deles, já com alguns anos de treino», continuou.

Por isso, acabou por pedir à mãe para ficar a ver o treino e, acabou por experimentar. «Estive um mês a jogar volei e hóquei ao mesmo tempo e ao final de um mês quis sair do volei e dedicar-me ao hóquei. Joguei 4/5 anos no (na altura) União Sport Club, e num torneio que fizemos com o Sporting e outras equipas, fui chamado para jogar no Sporting», lembra. Esteve no clube durante dois anos e um outro ano no Benfica. Algo que, olhando para trás, considera uma «loucura»: «O meu pai teve de me levar para Lisboa 6 vezes por semana durante 3 anos. Foram 3 anos que me transformaram e moldaram muito. Foi um sacrifício absurdo por parte dos meus pais e meu também, já que saía de casa às 7 da manhã para ir para a escola e chegava sempre à 1 da manhã a casa», revela. Vivia no carro, dormia no carro durante a viagem de ida, e estudava no carro durante a viagem para casa. Depois, voltou para Santiago do Cacém para o novo clube Hockey Clube de Santiago e, durante 4 anos, a equipa ganhou tudo o que havia para ganhar a nível regional. «Já como sénior joguei na segunda divisão em vários clubes: Nafarros em Sintra, onde subimos de divisão (da terceira para a segunda divisão nacional), Hóquei Clube Vasco da Gama, Grândola, Murches e Sesimbra. Atualmente voltou ao clube Vasco da Gama. «Tornou-se a minha casa depois de 9 anos a vestir esta camisola e apesar do Hockey Clube de Santiago ter um espaço especial no meu coração, por ter sido o meu clube de formação», admite o atleta.

João Chalupa sempre foi apaixonado por tudo o que tem rodas (com ou sem motor). «Quando calcei os patins pela primeira vez, tive uma das melhores sensações que podia ter. A velocidade (que era nenhuma, quando experimentei), o equilíbrio, a possibilidade de movimentos, a sensação de estar a dominar uns patins. Foi isso que me atraiu no dia em que calcei os patins pela primeira vez», afirma. E o amor foi crescendo quando começou a jogar hóquei e se tornou melhor jogador. «Nada paga a sensação de conseguir ser melhor a cada dia. Experimentar novas coisas, novas fintas, novas maneiras de rematar… Como atacante que sou, nada mais me motiva do que um pavilhão completamente cheio a gritar golo connosco», acrescenta. Segundo o hoquista, pode parecer estranho para quem não o faz, mas passar muito tempo sem o hóquei traz a todos (jogadores) uma «ausência de bem estar muito grande».

Mas como se passa de patins de quatro rodas para patins em linha? «Os hoquistas têm uma aversão geral aos patins em linha. Eu próprio passei por isso. Quase como aquela coisa que se sente entre o futebol americano e o futebol», revela, afirmando que acredita que essa aversão «vem pelo medo que os hoquistas têm de cair quando calçam os patins em linha». «Os nossos patins têm travões à frente e os em linha não», detalha. Ou seja, no hóquei, quando se assustam e querem travar, os atletas viram-se e trava de bicos de pés. «Se fizermos isso nos em linha, como em vez de um travão, está lá uma roda, vamos cair de frente. Esse problema fez com que só descobrisse a beleza de andar de patins em linha em 2021 quando experimentei uns emprestamos por um mês e fiz alguns quilómetros com eles», lembra João Chalupa. Na altura, fazia 10 ou 20 kms e, para si, era uma loucura. «Parecia que tinha corrido uma maratona», apontou.

A ideia de percorrer Portugal de patins surgiu este ano, quando no dia em que celebrou o seu 30º aniversário, comprou uns patins em linha e começou a fazer mais quilómetros em Aveiro, cidade onde habita a sua namorada. «Fiz os meus primeiros 30 km, depois 40 e logo a seguir fiz 82. Dobrei o meu recorde e senti-me tão bem com isso que quis começar a fazer mais», conta.

Procurou por ciclovias que fossem muito compridas e encontrou a maior (ecopista do Dão) que une Viseu a Santa Comba Dão. «Resolvi fazer para baixo e para cima ( viseu-Santa Comba Dão- viseu) fiz 102 kms e quando terminei, veio-me imediatamente a ideia à cabeça: ‘Se eu consigo fazer isto, também consigo fazer Portugal de ponta a ponta», lembra. «Parece meio louco alguém que fez 102 kms em terreno liso como o de uma ciclovia, achar que conseguia fazer 800 em estrada de pedra de calçada. Mas foi daí que partiu a ideia. E como sou muito de viver o momento, simplesmente, decidi que ia, arranjei meios e fui», afirma.

A preocupação principal seriam precisamente os meios para conseguir fazer tudo. Arranjar patrocinadores para o ajudarem com material e custos de viagem. «Arranjei trabalho numa paragem em Aveiro numa fábrica de azulejos e trabalhei lá durante um mês», explica. Enquanto estava na fábrica tentava sempre «treinar» o máximo possível. «Tinha de andar muito, subir e descer escadas, carregar alguns pesos e estar em posições de esforço dentro de algumas máquinas. Como sou formado em Ciências de Desporto e faço desporto há muitos anos, utilizei cada situação dessas para treinar um pouco», pormenoriza. Se tivesse de estar sentado, dentro de uma máquina que estivesse a ser reparada, tentava colocar-se em posições isométricas para os abdominais estarem a trabalhar. Sempre que subia escadas, subia 2 a 2 e de forma mais controlada. Carregava coisas pesadas… Depois, quando saía do trabalho, normalmente ia dar uma volta de patins. «No máximo fazia 10 kms, porque os patins eram novinhos e magoavam-me imenso os pés. Eu queria habituá-los aos meus pés (eles moldam ao pé com o uso) mas sem dar cabo deles, porque já faltava pouco tempo para a viagem quando os recebi», adiantou.

Quando pensava na aventura que se avizinhava, a única coisa que lhe metia receio eram as descidas, já que a maneira de travar com patins em linha e patins de 4 rodas é muito diferente. «Tudo o resto não me assustava, mas para os meus pais era um problema saberem que o filho ia andar por estradas super movimentadas durante 2 semanas com camiões a fazerem-lhe razias, carros a buzinar, o cansaço extremo de alguns dias, a dificuldade de alguns percursos. Para eles foi psicologicamente muito mais difícil do que para mim», admite João Chalupa.

O desportista desenhou o caminho que queria fazer, tarefa trabalhosa já que o Google Maps lhe dava constantes alternativas às estradas mais movimentadas. «Está feito para nos dar caminhos para bicicleta», lamenta. «Então, sempre que precisávamos de uma alternativa ele mandava-nos para terra batida, caminhos de pedra de calçada, relva etc. Terrenos impossíveis de patinar», garante. Então, antes de percorrer Portugal de patins, teve de percorrer, ( juntamente com um amigo que o ajudou tanto nisso como na viagem) o país de ponta a ponta no Google Street View.

João Chalupa sabia que queria parar em alguns locais, mas como não conhecia nada para além do que tinha visto na Internet, não sabia se conseguiria chegar aos pontos que pretendia.  «Portanto foi tudo muito feito no momento. Chegávamos a um ponto onde eu já não aguentava mais e víamos o que havia por ali. Parques de campismo, por exemplo», revela. Depois era montar a tenda, lavar roupa rapidamente, tomar banho, secar a roupa e dormir. «Tive uma mega ajuda da minha namorada e do meu amigo Manuel. Montavam a tenda por mim e a namorada lavava-me a roupa para eu poder recuperar da volta que tinha feito. Comíamos e íamos dormir. No dia seguinte desmontamos tudo e seguíamos para o próximo destino?, afirma.

Interrogado sobre os maiores desafios que enfrentou durante a viagem, João Chalupa garantiu que foram, sem dúvida, as feridas nos pés, o pavimento em «muito mau estado» em certos locais e as subidas e descidas constantes em certas partes do caminho. «Houve pessoas a fazer passagens rasantes com carros e camiões, mas como eu tinha o carro de apoio, normalmente a minha namorada e o meu amigo iam atrás de mim a proteger-me», explica o atleta.

Apesar disso, nunca pensou em desistir. «Tive momentos em que pensei que naquele dia não aguentava mais e ia parar para descansar. Principalmente o  dia a seguir de ter feito Quinta do Conde até Sines (98 kms de uma vez ao 10 dia de viagem)», admitiu. Quando saiu de Sines no dia seguinte, as dores eram tantas que andou 10kms e pensou: «Não aguento mais as dores. Vou parar e amanhã logo ando mais».

Mesmo assim, a persistência venceu e conseguiu percorrer 70 km nesse dia. «Cheguei a São Teotónio. As dores eram maioritariamente vindas das feridas/bolhas que rebentaram nos pés e inflamações por causa da pressão constante dos patins nos mesmos sítios. Para aguentar, utilizava um creme de aquecimento que se usa para cavalos, apenas para disfarçar as dores. Além disso, «muitos pensos e tape/fita adesiva para tapar as feridas». De x em x kms tinha de tirar e voltar a pôr os patins para aliviar os pés.

Já psicologicamente, foi a chuva e os dias cinzentos que o mandaram abaixo. «O frio, vento forte e chuva eram muito chatos, mas tinha uma equipa por trás ( a Filipa, o Manuel e os meus pais nos primeiros dois dias) que puxaram sempre por mim quando precisava», agradeceu, acrescentando que ele próprio também puxava pela equipa, pois aguentarem uma viagem de 800 kms de uma ponta à outra do país  a 20/30 kms à hora de carro, «não é pêra doce». «Não foi fácil para eles e especialmente para me ajudarem. O sacrifício não era por eles! Era por mim! Eu sentia esse peso de ter de os animar sempre que podia. Devo-lhes muito», frisou.

O seu objetivo? Viver a aventura, viver o momento. «Não foi bater nenhum recorde nem ser melhor do que ninguém. Descobri que nunca ninguém tinha atravessado Portugal de patins e gostei de ser o primeiro a fazê-lo, mas não o fiz por isso», garantiu. Fez, acrescenta, para se realizar enquanto pessoa. «Para me ultrapassar e me tornar melhor do que eu próprio», reforça. Chegar a Portimão, «foi uma mistura de sentimentos». «Uma felicidade extrema por ter conseguido e alguma tristeza por ter acabado. Mas foi boa, essa tristeza. Deixou-me cheio de vontade para a próxima aventura», remata.