Inês Sousa Braga, hoje com 29 anos, estava a estudar Bioquímica, no último ano da licenciatura, quando decidiu fazer Erasmus em Barcelona. “Apaixonei-me logo, senti-me muito acolhida por toda a gente e sobretudo adaptei-me a 100% ao lifestyle da cidade, que é super jovem e cosmopolita. Foi uma decisão fácil, na verdade… quis recandidatar-me a Medicina e, depois de uma experiência muito positiva na universidade, de muita proximidade com os colegas e professores e, sobretudo, de ótimas condições de docência, nem pensei duas vezes! Fiz os exames nacionais espanhóis e lá fui eu!”, explica ao i. Acabou por ingressar na Universitat Autònoma de Barcelona e conheceu Miguel Sampaio Peliteiro, seu atual namorado, por haver “uma grande comunidade de portugueses na cidade” e acabarem “por estar sempre em contacto através das redes sociais”. “Quando soube que ia viver para Barcelona, uma amiga em comum insistiu que tínhamos que conhecer-nos, e assim foi! Convidei o Miguel para o meu primeiro aniversário na cidade e desde então não nos largámos!”, exclama. “Agora que estou a viver no Porto, noto que a nível imobiliário a situação é muito semelhante – diria até que está a ser mais caro viver no centro do Porto do que no centro de Barcelona. No meu dia-a-dia, não posso dizer que encontre grandes diferenças nos preços da maioria das coisas – apenas nas propinas da Universidade, que no geral são cerca do dobro dos valores portugueses”, diz Inês.
“O que destaco mais de Barcelona e que acho que se aplica a Espanha no geral é o espírito de comunidade – as pessoas são extremamente interventivas e dedicadas às mais variadas causas. Semanalmente, a caminho de casa, era parada por manifestações contra o racismo, pela luta feminista, entre muitos outros. Além disso, há uma sede de aproveitar cada dia que me fascinava – sair do trabalho significava cañas y tapas numa esplanada com os amigos e família. A imagem que até hoje me ficou do meu bairro, o Eixample, é a de senhoras dos seus 90 anos a caminharem de cabeça erguida e batom vermelho com o seu andarilho até à esplanada onde estavam as amigas. Além disso, a aposta na cultura é enorme – é difícil escolher o que fazer entre tantos concertos, espetáculos de dança, ópera, festivais gastronómicos…”, reflete, sendo que, “se voltasse atrás”, sem qualquer dúvida”, tomaria a mesma decisão, pois “foram seis anos muito enriquecedores”.
“Por motivos pessoais, acabei por regressar a Portugal para fazer o exame de acesso à especialidade”, declara, mas o sentimento de “desilusão” tem estado muito presente na carreira médica em Portugal e é efetivamente o que mais a tem marcado nos últimos meses. “As comparações são inevitáveis: lembro-me de comentar com um colega português que tinha assistido a várias cirurgias de otorrinolaringologia realizadas por robótica no hospital de Badalona; aqui, em Portugal, esse não era de todo o paradigma – eu não tinha noção de que realmente a diferença a nível de investimento tecnológico e condições de trabalho seria tão acentuada. A verdade, independentemente de tudo, é que adoro Portugal. A nossa gastronomia, o clima, as pessoas que nos acolhem sempre de forma calorosa, a variedade cultural que temos de norte a sul do país… Há um encanto dentro deste panorama geral de desilusão e saudades de Espanha que nunca desapareceu”, confessa, lembrando “os fins de tarde à beira-mar a ver as dezenas de pessoas que passavam a andar de skate, patins em linha, ou só a passear”, assim como os amigos que fez, “que são como família”, “a forma excecional” como foi sempre acompanhada no seu percurso académico, os festivais de música ao ar livre – “que saudades!” – e dias como o de Sant Jordi.
Já Miguel, de 28 anos, que estudou na Universitat de Barcelona, admite que ir viver para Espanha “foi uma decisão precipitada pela motivação de estudar Medicina”. “Na altura, fiz os exames nacionais espanhóis ‘selectividad’, e as minhas notas permitiam-me ir para qualquer sítio em Espanha. Barcelona tinha a melhor universidade, mar e ambiente… foi fácil escolher”, afirma, sendo que “ressalvaria o equilíbro trabalho-vida pessoal e o progressismo social”. “Aliás, seria um pouco o equilíbrio entre as duas: as pessoas em Barcelona têm a produtividade germânica, divertem-se bastante como as sociedades do sul da Europa, e ainda assim não descuram das suas causas”, evidencia. “Essa intervenção popular sempre me estimulou muito interesse”. Por isso, e por ter conhecido Inês, tomaria a mesma decisão ”todos os dias” da sua vida.
“A volta a Portugal foi algo abrupta, aquando da pandemia, e por motivos pessoais fomos ficando. Contudo, a ideia nunca foi essa! Estava a estudar para a Prova de Acesso à Especialidade Médica espanhola e essa era a ambição – fazer a especialidade em Barcelona. Algum dia regressaremos para recuperar o bocadinho de nós que lá nos espera”, realça, observando que “temos muito a aprender com Espanha, e não é só nas ferrovias!”. “A nível pessoal, a qualidade de vida em Espanha suplanta a de Portugal; se considerarmos os salários e preços ajustados à paridade, a diferença acentua-se consideravelmente. Qualquer dos meus amigos leva uma vida que eu não tenho em Portugal”.
“A nível profissional, creio que as condições de trabalho marcam a diferença. Os profissionais de saúde portugueses batem-se com quaisquer outros, mas têm de se esforçar mais para obter os mesmos resultados. É, sem dúvida, uma noção desanimadora”, sublinha. Em relação às melhores memórias que guarda de Barcelona, não esconde que esta é uma “pergunta difícil”, mas responde:_“Diria que o ingrediente secreto para qualquer boa experiência está sempre nas pessoas. Fiz um grupo de amigos fabuloso. O nosso grupo de faculdade era imensamente diverso, de todas as classes socioeconómicas, diferentes ideologias, vestimentas, gostos, atributos… faz-me falta essa heterogeneidade”, conclui.
Tal como Inês e Miguel, Miguel Martins, de 25 anos, tomou a decisão de ir estudar para o país vizinho. O programa de doutoramento é em Física Nuclear e de Partículas, no Instituto Galego de Física de Altas Enerxías da Universidade de Santiago de Compostela e da Xunta de Galicia, sendo que o tópico do doutoramento é Raios Cósmicos de ultra-alta energia. Bolseiro do programa INPhINIT incoming da Fundación la Caixa, começa por deixar claro: “Inadvertidamente não estarei a comparar propriamente Portugal e Espanha, mas sim a capital de Portugal com uma cidade, Santiago de Compostela, com cerca de 100 000 habitantes, na Galiza (que é uma região autónoma de Espanha, e que portanto tem uma cultura diferente do restante país, aplicando inclusive leis diferentes do ponto de vista social e fiscal). E claro que estou a falar com base na minha observação empírica. Pode haver dados oficiais que contradigam alguma coisa”.
Além de destacar diferenças salientadas por Inês e Miguel, indica outras. “Em Santiago sou tratado com uma simpatia que os estrangeiros dizem ser idêntica à portuguesa, mas que eu não sinto em Lisboa. Claro que a sinto em aldeias ou vilas portuguesas, mas senti-me muito bem acolhido cá”, aponta. “Os países parecem-me estar em pé de igualdade. A extrema-direita parece mais popular em Espanha do que em Portugal, mas ainda não é preocupante. Tanto quanto me afeta, as leis e agendas políticas dos dois países conferem-me a mesma liberdade e direitos. A política económica é difícil de discutir porque em Portugal não me preocupava com isso”, afirma, por outro lado.
Se voltasse atrás, será que tomaria a mesma decisão? “Sim, mas simplesmente porque estou próximo de Portugal e posso visitar com frequência o meu namorado, família e amigos; e porque a proposta de doutoramento era excelente. Simplesmente, calhou que a junção dessas duas condições correspondeu a Espanha”. “Eu diria que há coisas a melhorar em Portugal, nomeadamente a questão dos salários face ao custo de vida e do modo como estudantes de doutoramento são encarados, mas, de resto, há mais num país do que a sua política e economia, e aprecio muito Portugal noutros aspetos. Paguem-me mais e volto a Portugal assim que possa!”.