Saúde sem solução à vista

Apesar das propostas apresentadas pelo Governo, os problemas e as controvérsias são muitas e não acabar nos próximos tempos.

Os hospitais estão sem médicos e enfermeiros, as urgências estão fechadas, há doentes à espera para serem vistos durante quase 24 horas, dirigentes demitem-se, há doentes a passarem a noite à porta dos centros de saúde, a adesão à greve dos médicos ultrapassa os 90%, mas o Ministério da Saúde voltou ontem à mesa de negociações com os sindicatos e propôs um suplemento de 500 euros mensais para os médicos que fazem urgências e a possibilidade de poderem optar pelas 35 horas semanais. 7 470 especialistas estão no regime de 40 horas semanais, 461 no regime de 42 horas (dedicação exclusiva), 333 nas 35 horas semanais e 36 no regime de 35 horas (dedicação exclusiva). No entanto, nada disto é suficiente nem constitui medidas mágicas para solucionar os problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Este novo modelo remuneratório iguala o salário base dos médicos (3.025 euros), sendo que tal representa um aumento de 5,5%, contra os 3,6% apresentados na última proposta. Se trabalharem 35 ou 40 horas semanalmente, além deste aumento, estes profissionais de saúde receberão o suplemento de urgência (500 euros), que representará um aumento de 23,1%. Já aqueles que se dedicarem exclusivamente ao SNS, terão um suplemento de 25%, portanto, um aumento de 49,5%. Ou seja, os médicos especialistas no início de carreira (assistentes) que optarem pela dedicação plena passarão a ter um rendimento bruto de 4.280,31 euros e o assistente graduado sénior de 6.025,1 euros brutos.

Em relação aos cuidados de saúde primários, um médico que transitar de uma Unidade de Saúde Familiar (USF) modelo A para uma USF modelo B tem uma «aumento mínimo de 60%», através de incentivos, tendo uma média de 1 700 utentes. No documento pode ler-se ainda que a negociação das condições dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) da urgência será aberta em novembro.

Antes da reunião, o Nascer do SOL teve a oportunidade de falar com representantes do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e da Federação Nacional dos Médicos (FNAM).

«O que é necessário é que o doutor António Costa, o doutor Medina e o doutor Manuel Pizarro, realmente, façam aquilo que têm a fazer. Têm de haver um aumento da grelha salarial: 3,6% é inaceitável. Não nos podemos esquecer da perda do poder de compra e da inflação. Também é necessário não retirar direitos como o descanso compensatório. A seguir a um banco noturno tem de haver um descanso compensatório. Para segurança dos utentes e dos médicos. Depois de 24h, não é possível o mesmo médico continuar a trabalhar alegremente como se nada fosse. Os médicos estão cansados: não se pode aumentar ainda mais esse cansaço», começa por explicar Maria João Tiago, secretária regional de Lisboa e Vale do Tejo do SIM, defendendo que passar de 150 para 250h extra não é possível, salientando que tem de haver a prometida redução de lista de utentes para os médicos de família, indo ao encontro da perspetiva de Joana Bordalo e Sá, Presidente da FNAM.

«Acima de tudo, é preciso valorizar os médicos de uma vez por todas. Não só do ponto de vista salarial, mas também melhores condições de trabalho. Não podemos continuar a fazer tantas horas extraordinárias. Precisamos de tempo para ver os nossos doentes nas consultas, para fazer as cirurgias e não só: necessitamos de uma organização do trabalho mais adaptada às novas gerações. E às antigas que, ao não terem as novas presentes no local de trabalho… torna-se um trabalho ainda mais penoso. Para resolver esta crise é preciso que haja um investimento sério nos profissionais de saúde, mas para isso tem de haver vontade política por parte deste Governo de António Costa e deste Ministério de Manuel Pizarro». realçando que António Costa «quando diz que ‘é o primeiro-ministro de todos os portugueses’, ao não valorizar os médicos e ao não ter vontade política que eles fiquem no SNS, está a deixar a população para trás. E os médicos do SNS são os médicos de todos».

Outro problema que pode ser colocado em cima da mesa é: quanto ganha um médico que sai do SNS e volta a ingressar no mesmo? «Um médico que sai do SNS e volta a entrar por contrato, é o chamado tarefeiro, é pago à hora. Regra geral, o preço-hora pago a esse médico é superior àquele que ele ganharia em virtude dos vencimentos base serem baixos. Daí, o que é necessário é fazer um aumento dos vencimentos de base. Porque se subirem, os médicos já ficam. Ou seja, posso estar numa urgência, sou assistente graduada, e tenho um assistente ou um colega sem especialização a ganhar mais do que eu…», explicita Maria João Tiago. Já Joana Bordalo e Sá, esclarece: «Quanto a um médico sair do SNS, voltar a entrar e ganhar mais, essa afirmação não me parece que tenha muita lógica. Um médico interno acaba a sua especialidade, trabalha dois ou três anos no SNS, rescinde contrato, depois volta, quando é reintegrado volta para a categoria e o escalão onde estava».

Naquilo que diz respeito ao caos nas urgências, a representante do SIM afirma que «o que tem acontecido é que se tem necessidade de fechar urgências». «Os colegas cansados, que muitas das vezes colocam a minuta de escusa de mais horas extraordinárias, não trabalham mais. Mas os hospitais já estavam no limite. O esquema rotativo que agora acontece baseia-se no fecho de alguns hospitais», evidencia. «Entendemos que é preciso uma reorganização, mas uma coisa é a rotatividade e o funcionamento em rede, e outra coisa é encerrar serviços porque não há médicos. E em relação a isso… Não é aquilo que queremos!», garante a representante da FNAM.

O primeiro-ministro reúne-se hoje com o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Fernando Araújo, e com o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, no Porto, para discutir a crise no setor.