Fica entre o Agro Romano e o Agro Pontino. Nettuno, quero dizer. Podíamos traduzir para Neptuno e ganharia estatuto de planeta, o que até nem lhe ficava mal porque foi lá que nasceu um jogador que teve muito de outro planeta: Bruno Conti. Nettuno tem igrejas e capelas a dar com um pau, é um exagero, mas nada como um italiano para transformar a Madonna num exagero. E assim, na Chiesa de la Madonna del Buon Consiglio, lá pelos idos de Abril de 1955, foi batizado com todos os paramentos e ungido com os santos óleos um menino chamado exatamente Bruno Conti. Há que dizer que no nosso Estádio da Avenida Cidade de Luanda, nos Olivais Sul, um relvado que ficava mesmo do outro lado da rua em relação ao Inferno de Branca Lucas, do Sport Lisboa e Olivais, e que ainda era pelado, Bruno Conti chegou a ter o seu peso durante o Mundial de 1982. Não era o Éder, o Patada-Atómica-Não-Obrigado, mas era um esquerdino de luxo. O nosso relvado tinha truques como buracos, pedaços de lousa que o cortavam ao meio a servir de passeios, um ou outro toco de árvore cortado escondido pelo meio do verde e que provocavam nos adversários ignorantes trambolhões bastante dolorosos. Ah! Não! Não era fácil bater-nos no Estádio da Avenida Cidade de Luanda, que o digam as equipas dos prédios dos militares, do Bairro dos Índios, ou o grupo do João Matias (por extenso Facadas) que vinha do Oeste e da Vila de Catió… O Paulo Conde, por exemplo, era da Vila de Catió e sofreu na pele e no nome a popularidade das fintas estonteantes de Bruno Conti em Espanha, a caminho do título mundial: passou a ser conhecido como Paulo Conti. Só que não driblava. Jogava com jeito, mas curto e grosso.
Nesse Verão de 1982 vivi apaixonado (acho que passei a década de 80 apaixonado e nem sequer vou explicar porquê e por quem se não dava um romain fleuve) pelo Brasil do Telé Santana cuja equipa ainda sei de cor como a letra de um samba: Waldir Peres; Leandro, Luisinho, Óscar e Júnior; Toninho Cerezzo, Paulo Roberto Falcão e Sócrates; Zico, Serginho e Éder. Nesse samba de todas as notas, o Serginho e o Waldir desafinavam horrores e a desgraça aconteceu. Mas, enfim, chega de saudade: «Chega de saudade/a realidade é que sem ela não há paz/não há beleza é só tristeza e a melancolia/que não sai de mim não sai». O Brasil de 1982 não deu certo, como dizem os brasileiros. Eu, que ainda me recordo do Brasil de 1970 (e também sei dizer a equipa de cor: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Cloodoaldo e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino!!!, com três pontos de exclamação) fiquei sempre com esta ideia: o Brasil de 1982 foi o Brasil de 70 que não ganhou. Ganhou a Itália e, se nos deixarmos de melancolias, ganhou bem – ninguém vence a Argentina, o Brasil, a Polónia e a Alemanha de afilada e é mau, ora tubérculos! É verdade que não havia Falcão na Itália, mas havia Tardelli, não havia Zico mas havia Paolo Rossi, e havia Conti que não marcava golos como Éder mas escondia a bola com o pé esquerdo por detrás do pé direito e fazia-a aparecer nas costas dos adversários sem a gente perceber ao certo como.
Bruno Conti era gadelhudo, tinha um estilo muito próprio, mas não era vaidoso, longe disso. Conheci-o uma vez e achei-o uma jóia de um moço. Nessa altura tão distante de 1982 estava na Roma – esteve sempre na Roma excepto duas épocas – e jogava ao lado de Falcão e de Prohaska e de Ancelotti e de Pruzzo numa equipa que o Benfica desfez no Olímpico de Roma com uma categoria digna de um daqueles antigos Benficas que encantavam o mundo. Contou-me que, quando era garoto, os pais queriam que ele jogasse basebol porque Nettuno era a cidade do basebol italiano. Mas ele achava que tinha era jeito para o futebol e ninguém foi capaz de fazer nada contra a sua ideia fixa de vir a ser uma estrela da Roma. Achava-se um driblador por excelência, um mágico da técnica, até ao dia em que foi passar férias ao Rio de Janeiro com o seu amigo Falcão. Paulo Roberto alinhava em todas as jogatanas da rapaziada da praia de Copacabana e levou Bruno com ele e apresentou-o aos garotos. Conti estava com a corda toda. Afinal tinha acabado de ser campeão do mundo, ou não era? Os guris não quiseram nem saber disso. Depois de o verem a dar uns toques e ensaiar umas fintas, um deles aproximou-se e disse-lhe: «Olha lá, já percebemos que não tens muito jeito para isto. Não te importas de ir para a baliza?» E logo ele, que nem sequer era gordo…