Há uma semana (escrevo a 14 de Outubro), o Hamas perpetrou uma incursão selvática em Israel e capturou mais de uma centena de reféns de todas as idades – de bébés a octogenários. Alegadamente, estes reféns serviriam de moeda de troca para que Israel libertasse as várias centenas de terroristas do Hamas que se encontram nas suas prisões. Pelo caminho, houve logo incontáveis mortes e feridos. Israel não podia convidar o Hamas para conversações de paz à mesa de um bule e chávenas de chá. Reagiu brutalmente – e o pior ainda está para vir – como não podia deixar de fazer. Quem com ferro mata, com ferro morre.
Desde as Nações Unidas até vários governos europeus, levantou-se logo um clamor exigindo que a retaliação de Israel fosse ‘proporcional’; que a proporcionalidade era um princípio básico do Direito Universal e do Direito da Guerra. Ou seja, Israel, brutalmente agredida pelo Hamas, tinha de retaliar com gentileza.
A conversa da ‘proporcionalidade’ não passa de retórica vácua. Em nenhuma guerra ela é respeitada. Vejam o caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, que sistematicamente arrasa um país destruindo edifícios onde habitavam civis pacíficos, atingindo escolas e hospitais; matando incontáveis civis inocentes. Sim: houve, aqui e ali, quem lembrasse a necessidade de proporcionalidade, aliás uma invocação absurda visto que é a Ucrânia o país invadido e agredido. (Será que se pode defender desproporcionadamente ?!) Mas é a Israel a quem mais se exige proporcionalidade; quase não há comentador que não relembre esta bondosa necessidade.
Nas guerras, não há proporcionalidade, ponto. Se quiserem perceber melhor esta chocante heresia, leiam W. G. Sebald: The Natural History of Destruction (já traduzido em português). Em 1944, os civilizados aliados, muito preocupados com a proporcionalidade, decidiram, quando a guerra já estava praticamente ganha, destruir e arrasar completamente a belísssima cidade alemã de Dresden, oferecendo aos enxames de moscas, que de súbito apareceram, cadáveres humanos para se banquetearem. Nem por isso – e bem – a opinião pública condenou as forças aliadas: guerra é guerra.
Hoje em dia os tempos mudaram, sobretudo graças à influência que a extrema-esquerda adquiriu sobretudo nas ruas. Esta extrema esquerda tratou, assim que o conflito começou, de organizar manifestações a favor do Hamas, e condenando a cruel desumanidade dos israelitas. Em Paris teve de intervir a polícia de choque; em Portugal, mais pindericamente, o Bloco de Esquerda conseguiu reunir uns centos inofensivos de manifestantes. Nem por isso é menos significativo. Tenho a certeza de que nem dez por cento dos manifestantes sabia o que é, porque nasceu e como nasceu o Estado de Israel.
Mas os esquerdistas sabem uma coisa: que Israel é incondicionalmente apoiado pelos Estados Unidos da América, esse santuário do Capital, esse símbolo vivo do Capitalismo – uma besta a abater. Por isso rezam pelo Hamas: o inimigo do meu inimigo meu inimigo é. Por isso, para esta gente, o Hamas é o Bem e Israel é o Mal. Como sempre, o alinhamento da extrema-esquerda é determinado em função do posicionamento dos EUA.
Historiadora