A qualidade da democracia está muito ligada à qualificação dos quadros políticos.
Bem ou mal, a alternância de poder PSD/PS foi alimentando uma nivelação decrescente da partidocracia mas, ainda assim, nos limites do aceitável.
Este ciclo virtuoso de equilíbrio começou a desmoronar-se a partir de 1995.
Por múltiplas razões: porque a deserção e afastamento da vida pública dos melhores quadros da sociedade civil foi radical – vencimentos indigentes e escrutínio pessoal completamente desregrado, e até por isso inconsequente, foram as principais causas dessa irreversível desertificação.
Depois veio a concentração de poder num só partido. Desde 1995 o PS governou o país 18 anos e, a partir de 2013 tornou-se hegemónico no poder local. Esta conjugação prolongada e tão marcada nunca havia acontecido.
Anteriormente, enquanto um dos dois maiores políticos amadurecia quadros no aparelho de Estado, o outro projetava novas figuras na liderança das grandes cidades.
Ora o PS não tinha obviamente quadros para esta súbita ‘fartura’. Daí a inevitabilidade do ciclo negativo em que a qualidade dos dirigentes líderes, que já deixava muito a desejar, se agravou perigosamente.
Iniciou-se então um processo de mediocrização acelerada na barricada do poder, baseada na ascensão rápida e vertical de jovens assessores, recém-saídos do sistema educativo que, num ápice, passaram a chefes de gabinete, logo de seguida a secretários de Estado, desaguando em pouco meses em ministros da nação!
Do outro lado da barricada caminhava-se igualmente para o abismo. Na área do centro e da direita, única realista alternativa a um PS assim fortalecido, criou-se o caldo de cultura conducente ao descalabro da derrota sistemática.
A difícil governação de Passos Coelho em tempo de troika, adicionada à implosão do CDS, transformado num partido unipessoal pela vaidade e egocentrismo de Portas, abriu o espaço a um rearranjo partidário à direita.
Um horizonte de longo afastamento de poder conduziu à deserção de quadros médios locais para os braços do discurso assertivo de Ventura e para uma moda ‘fina’, qual ‘bloco de esquerda’ de direita, protagonizada pela ‘modernaça’ IL.
Mas o pior estava para acontecer.
O PSD, apesar dos desaires repetidos e desastrosos no poder local, ainda tinha a possibilidade de ressuscitar à volta dos ex-governantes ‘passistas’, muitos deles acantonados no Parlamento.
Lá poderiam recuperar do trauma da troika, reafirmar a sua imagem pública e ser o novo viveiro de personalidades que rodeariam um líder candidato a primeiro-ministro (PM).
Desse grupo deveriam ainda sair credíveis candidatos à chefia dos principais municípios.
Seria assim se não tivesse havido quem, num ato de ‘vingança’ contra um partido que sempre detestou, tivesse decidido o seu frio ‘genocídio’ político.
Rui Rio pegou na vassoura e não deixou pedra sobre pedra.
Logo no primeiro ato eleitoral saneou tudo que cheirasse ao passado laranja, substituindo quadros já formados por jovens inexperientes que, passados mais de quatro anos, continuam a ser uns ilustres desconhecidos perante o país.
É verdade que ainda lá existem talentos desaproveitados, entre outros, Mota Pinto, João ou Paulo Rios, mas constituem um curtíssimo núcleo de sobrevivência, sem hipóteses de alavancar sozinho qualquer processo de recuperação.
Entretanto, à esquerda, o PS vai reabastecendo o Grupo Parlamentar com as sucessivas e naturais remodelações parlamentares e adubando a oferta global com uma enorme panóplia de quadros jovens formados no poder local. Também tem tido a sabedoria de consolidar a renovação, ancorando-a em ‘veteranos’ experientes como Edite Estrela, João Soares, ou Santos Silva.
Assim o PSD, quando o seu candidato a PM sai à rua, tem grande dificuldade de se rodear de rostos que os portugueses reconheçam e constituam mais valias na sua projeção.
O Hugo Soares, Pinto Luz, Leitão Amaro, entre poucos mais, são reais valores, mas também neste caso formam uma manta curta para quem quer cimentar uma imagem de quem quer convencer os seus compatriotas de que tem um largo grupo de credíveis futuros membros de governo.
Com este pano de fundo, não estranho que as sondagens, que valem o que valem, continuem a dar um PS a lutar pela reeleição. Julgo até que a situação será ainda mais difícil quando chegar o momento de escolher candidatos a autarcas.
É verdade que o PS também tem problemas, mas ser poder facilitará alguma capacidade de recrutamento, isto apesar dos condicionantes comuns acima referidos.
Contudo, ao contrário da situação atual do PSD, os ex-assessores quando retornados ao Parlamento, a candidaturas a autarquias ou ao mercado civil, já trazem o certificado de ex-ministros, algum conhecimento das manhas da administração pública e dos instrumentos europeus. Ou seja, têm essa mochila, esse efetivo upgrade de credibilidade, por mais artificial e falacioso que ele seja, que ele é.
Não lhes faltarão empregos e empregadores. Dentro e fora da vida política.
Assim, só um golpe de asa genial, muito trabalho empenhado e um aproveitamento humilde de todos os recursos, aliado a uma ‘economia de guerra’ – leia-se a um esforço solidário e coletivo sem marginalização de ninguém, salvará o PSD de um colapso nas eleições autárquicas e depois nas legislativas.
Cabe aos atuais dirigentes da cúpula partidária começar a construir o milagre. Difícil, mas possível.
É no entanto curioso que o sonho da ‘mexicanização’ do regime – leia-se hegemonia prolongada de um só partido – alimentado por Mário Soares por motivos nobres – receio da reedição da instabilidade caótica da Primeira República – possa nascer, não desse tipo de temida turbulência, mas da decadência qualitativa extrema de todo o sistema partidário!
P.S. – Não falei das eleições europeias propositadamente. Considero-as irrelevantes seja qual for o resultado. São sempre eleições de grande abstenção, de afirmação de ‘Tiriricas’ de circunstância, onde o voto de protesto, quando existe, se dispersa aleatoriamente. Além de que mesmo um resultado positivo, em nada garante influenciar o que vem a seguir. Em 2008 Rangel e o PSD venceram-nas, mas poucas semanas depois Ferreira Leite foi copiosamente derrotada por um Sócrates em fim de estação.
Ex-presidente do PSD