Se o Plano de Combate à Pobreza não incluir as instituições está comprometido à partida, diz ao Nascer do SOL o presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, para quem o programa apresentado pelo Governo é “pouco inovador” e «”entralizado”. Também o ex-ministro António Bagão Félix ressalva a bondade da estratégia do Executivo, mas questiona os pressupostos: “Um Plano tão abrangente com 273 medidas é para português ver”.
Sobre o Plano Nacional de Combate à Pobreza, Bagão Félix questiona os objetivos quantitativos de redução para 10% da taxa de pobreza monetária e considera que seria fundamental saber qual a forma de escrutínio deste plano. Ao Nascer do SOL, o ex-ministro assegura que não quer questionar “a bondade das intenções e o trabalho feito na sua elaboração”, salientando que «há aspetos positivos, mas Planos destes já se fizerem muitos». E lembra que algumas das medidas anunciadas “já foram executadas, anunciadas ou estão em curso, como as referentes às creches, a comparticipação dos medicamentos ou a majoração do abono de família”.
Quanto ao princípio-base e aos objetivos do Plano, Bagão Félix critica o fato de estes estarem assentes num conceito de pobreza “meramente quantitativo, quando aquilo que se deve ter em conta é o conceito qualitativo de pobreza: ser pobre não se define apenas pela sua situação material, mas na relação com o mundo, estar ou sentir-se excluído da sociedade”. Os 500 mil idosos que vivem hoje em solidão estão incluídos neste conceito. “É pouco inovador, muito dirigido para dentro, numa lógica de que ‘nós é que sabemos’”, é desta forma que Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias, comentou o Plano ao Nascer do SOL.
Para Manuel Lemos, “o combate à pobreza é muito difícil, multidisciplinar, e é essencial estar junto dos pobres, por isso, deve qualquer coisa feita neste âmbito tem de incluir as instituições de proximidade. Falta esse ponto”. E adverte: “Se nos tempos mais próximos não acontecer um encontro com as instituições, com quem está junto dos mais pobres, o Plano está comprometido”. Apesar de o considerar “em linha com a estratégia de ação desenhada há cerca de dois anos” e de o qualificar como “simpático”, aponta várias lacunas essenciais. Critica a falta de definição dos compromissos: “Como serão feitas as articulações ministeriais? Quantos serão os gestores dos pobres?”. Estes e outros pontos são essenciais num plano que pretende combater uma luta que dura há anos demais: “Há mais de 20 anos, o número de pessoas em situação de carência depois das prestações sociais, era de 20%, vinte anos depois, o número mantém-se igual”, lembra o presidente da União da Misericórdias. E adverte: “É bom que haja um plano, é pena se não se aproveitar o que a sociedade portuguesa tem para dar eficácia ao plano”.
As considerações de Rita Valadas, presidente da Cáritas, vão no mesmo sentido de envolvimento de quem está no terreno: “A rede de aplicação deste Plano tem de ser muito fina, deve ser feita com quem está muito perto e usar a rede que existe”. Diz ainda que é necessário ouvir e acolher todos os setores de uma forma ou de outra, não só o terceiro setor como as empresas que têm um papel fundamental. “As pessoas estão desesperadas, não há creches suficientes, somos um país pobre, e tudo aquilo que se fizer no sentido de combater a pobreza é bem-vindo”.
Também Bagão Félix critica a ausência das instituições neste Plano. “Não encontrei uma vez a sigla IPSS, as palavras particular ou privado e apenas uma vez se referem às empresas”. Ou seja, no seu entender, a estratégia está centrada no Estado, “o que viola o princípio fundamental da subsidiariedade”.
“O primeiro ponto para combater a pobreza é criar riqueza, evitá-la e não apenas acompanhá-la. Aquilo que se exige à segurança social é excessivo em relação ao que se pede à economia. A parcela do rendimento do trabalho representa uma parcela cada vez menor do rendimento nacional e isto requer um esforço brutal da segurança nacional”, defende, considerando que esta realidade é que verdadeiramente tem de ser alterada para diminuir a pobreza.
São seis os eixos de intervenção, 14 os objetivos estratégicos e 273 atividades elencadas, é o Plano de Ação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza a ser concretizado entre 2022 e 2025. Dois anos depois de ter sido anunciada a Estratégia Nacional Combate à Pobreza, em 2022, o Governo publicou esta semana com detalhe e exaustivamente as medidas para concretizar esse compromisso de implementação.
Os objetivos são ambiciosos: reduzir para 10% a taxa de pobreza monetária da população, ou seja, menos 660 mil pessoas nesta situação; redução para metade da pobreza monetária no grupo das crianças – retirar 170 mil crianças da situação de pobreza; diminuir também em 50% a taxa de pobreza monetária dos trabalhadores pobres.
O Governo compromete-se, desta forma e novamente, em «fazer do combate à pobreza um desígnio nacional» nos dois anos que tem pela frente para a concretização das 273 medidas.
As medidas, essas, de natureza diversa são de várias amplitudes. Vão desde a entrega de um cheque livro atribuído a todos os jovens nascidos entre 2004/2005, à criação de um técnico de referência às famílias em situação de carência familiar. Grande parte delas não estão quantificadas ou já se encontram em vigor, como a tarifa social de eletricidade e gás natural.