Inteligência Artificial. Filmes que não queremos ver

Cartazes “da Pixar” criados por Inteligência Artificial que incluem tragédias da humanidade, crimes brutais e pornografia têm gerado polémica nas redes sociais. Através de uma aplicação, qualquer pessoa pode saltar da realidade para a animação ou criar os cenários mais variados, com qualquer pessoa que queira como protagonista. Mas até que ponto é aceitável?

Os filmes da Pixar sempre fizeram parte do nosso imaginário. Sejamos nós mais novos ou mais velhos, a verdade é que as animações acabam de alguma forma por fazer parte do nosso percurso. E, se antes nos parecia muito difícil imaginar um cartaz com a nossa cara – transformada em animação –, agora nunca foi tão fácil saltar da realidade para o fantástico. As aplicações de Inteligência Artificial (IA) multiplicam-se e bastam apenas alguns minutos para criarmos o cartaz da nossa própria história de animação. No entanto, nem tudo é “magia“. Como em tudo na vida, as coisas, por vezes, vão longe demais.

No início do mês, horas antes do ataque do Hamas a Israel, começou a circular nas redes sociais uma imagem que deixou milhares de internautas indignados e até mesmo ofendidos: um cartaz com a palavra “Caust”, dava a entender que a Disney Pixar iria lançar um novo filme sobre o Holocausto. Na imagem, vemos Hitler com um aspeto jovem como protagonista e um campo de concentração – que parece ser a entrada do campo de extermínio Auschwitz –, repleto de prisioneiros de cabelo tosquiado e pijamas às riscas e guardas que o aclamam, como cenário. Claro que a imagem não caiu bem, em parte devido ao período tenebroso que vivemos pela tensão instalada nos últimos dias na Faixa de Gaza a que muitos têm apelidado de genocídio. No entanto, apesar de alguns não terem percebido, tudo não passou de uma “partida de mau gosto”.  

Os mais atentos perceberam de imediato os erros presentes no cartaz: o logótipo da Disney tem o “y” invertido e a palavra “Pixxar”, está escrita incorretamente, já que se escreve apenas com um “x”. Outros ficaram extremamente indignados, principalmente nos EUA: “No que é que a Disney está a pensar?”, lemos numa publicação do Twitter.  “Horroroso! Isto não pode ser verdade…”, lamentava outro internauta.

Brincadeiras de mau gosto?

Mas não se trata de um “ato isolado”. São cada vez mais as imagens do género que confundem as pessoas e que interrogam até onde pode ir a IA e a falta de bom senso de alguns. Também já circularam cartazes “da Pixar” que satirizam o caso do assassinato de George Floyd por um polícia, outros que eufemizam os atentados às Torres Gémeas, com o próprio Mickey Mouse a planear o ataque terrorista, outros ainda que brincam com a infância do serial killer Jeffrey Dahmer, conhecido como o canibal.

Num outro cartaz, vemos uma rapariga loira e magra sentada num sofá, com seis homem entroncados e negros atrás, com o título ‘Stuffed’, que lembra vídeos pornográficos. Além disso, alguém se lembrou de brincar com o Lolita Express, o avião particular onde o criminoso e magnata americano Jeffrey Edward Epstein transportava as vítimas (crianças ou adolescentes) até à ilha onde aconteciam as maiores atrocidades. Na imagem vemos o próprio, rodeado de crianças.

Mas se uns parecem utilizar a aplicação Bing Imagem Creator para dividir opiniões, reações e obter visualizações, outros parecem utilizar a ferramenta de uma forma mais engraçada. Há quem recrie as ruas das suas cidades em animação, outros que transformem todos os presidentes dos EUA em bonecos animados ou todo o elenco da série ‘Friends’. E há mesmo quem recrie filmes clássicos como o ‘Avatar’, o ‘Titanic’, ‘Os Bons Companheiros’, ‘O Senhor dos Anéis’, ‘Harry Potter’, ou mesmo ‘Forrest Gump’.

O Disney Studios ainda não comentou os cartazes.

Entretenimento e Desinformação

Segundo a filmschool.ai – fundada por profissionais da indústria de Hollywood e considerada a primeira escola de cinema de IA – embora estas imagens tenham sido inteiramente fabricadas para fins de entretenimento, não conseguiram escapar à polémica devido ao seu caráter “ofensivo” e “insensível”: “Embora essas ferramentas de IA possam produzir arte notável e imitar estilos de animação reconhecidos, elas também apresentam potencial para uso indevido. A capacidade de criar conteúdo tão realista e impactante confunde a linha entre entretenimento e desinformação, potencialmente dessensibilizando o público para temas delicados”, aponta num relatório intitulado ‘Memes de IA da Disney Pixar levantam questões sobre o uso responsável da tecnologia de IA’.

De acordo com o portal, os gráficos foram criados após uma atualização significativa do Bing Image Creator da Microsoft , alimentado pela poderosa tecnologia de inteligência artificial DALL-E. Essa ferramenta permitiu aos usuários criar esses cartazes falsos no estilo Pixar com uma precisão surpreendente, capturando o estilo de animação da Pixar nos mínimos detalhes. “É uma tendência da Internet que chocou, indignou e divertiu em igual medida. Embora aproveite as capacidades artísticas da tecnologia de IA, também destaca a importância do uso responsável e de considerações éticas na criação de conteúdo. Num mundo onde a informação e os meios de comunicação são facilmente manipulados, isto serve como um lembrete de que o poder da IA ​​deve ser aproveitado com cautela e responsabilidade”, remata o texto.

Autor arrependido

A verdade é que, desde que surgiu, que a IA tem sido o centro de várias polémicas e discussões que interrogam até onde é que esta poderá ir e quais os perigos que acarreta. Há sempre quem vá ou não achar piada àquilo que se consegue com esta tecnologia e há mesmo quem se arrependa das suas próprias brincadeiras, como foi o caso do americano de 31 anos Pablo Xavier. Em março começou a circular na internet uma imagem do Papa Francisco com um casaco puffer branco digno de um desfile da Balenciaga. Não foi preciso muito tempo até que a fotografia do «Papa Rapper», como a apelidaram, começasse a ser partilhada por milhões de pessoas.

O autor que estava sob o efeito de cogumelos alucinogénicos quando teve a ideia da imagem, revelou ao BuzzFeed que foi banido do Reddit horas após ter postado a imagem na rede social e que, apesar de estar à espera de reações negativas, não esperava tal magnitude, com a imagem a tornar-se numa polémica mundial. “Sinto-me uma porcaria. É uma loucura”, afirmou, referindo-se ao facto de muita gente ter acreditado que a imagem era real e ter usado isso para criticar os excessos da Igreja Católica. “A Inteligência Artificial é algo que vai ficar sério se não começarem a implementar leis para regular”, acredita.