No final da II Guerra Mundial houve dois países para lá da linha de ‘Estetino, no Báltico, até Trieste, no Adriático’, a célebre ‘cortina de ferro’, que os aliados não dispensaram de ter integrados na esfera ocidental: Grécia e Turquia. Ainda que nenhum fosse uma democracia liberal, ambos foram considerados essenciais para o controle do Mediterrâneo oriental e do Mar Negro (únicas águas quentes permanentes russas, com exceção de Kaliningrado), tendo sido integrados na OTAN em 1952 (três anos após a assinatura do Tratado de Washington).
Se, durante a Guerra Fria, o alinhamento turco com os seus aliados foi inquestionável, com a ascensão de Erdogan ao poder (em 2003) a Turquia foi procurando ganhar autonomia política, construindo uma relação mais próxima com a Rússia.
Os ataques do Hamas a Israel do dia 7 de outubro chocaram boa parte do mundo e são, aos nossos olhos, um ato de terrorismo bárbaro. Mesmo a vasta maioria dos que afirmam que a política de décadas de constituição de colonatos e de ‘sufoco’ dos palestinianos é um indutor do terrorismo dos grupos radicais islâmicos, dando, aos mesmos, o terreno fértil para lavrar, alinha por este diapasão: o Hamas é um grupo terrorista que, como tal, deve desaparecer.
Se o embaixador de Israel nas Nações Unidas ficou chocado com as palavras de António Guterres sobre este conflito, o que dizer da afirmação do Presidente turco, que disse que o Hamas «é um grupo de libertação nacional que luta contra a ocupação da sua terra».
Partindo do princípio que Erdogan fala tanto para os líderes políticos internacionais como para a ‘medina’, entrando também no complexo jogo de equilíbrios regionais do Médio Oriente, o qual conjuga ambições de potências regionais com divisões profundas no islamismo, o que verdadeiramente nos deve preocupar é saber se a Turquia é um aliado fiável.
Paralelamente, o Presidente turco também expressa a opinião generalizada das elites da região. Ainda que o realismo político se tenha sobreposto à solidariedade árabe, pelo menos desde o acordo de paz entre o Egito e Israel, a verdade é que um problema que parecia adormecido foi recuperado para a atualidade. Na realidade, tal como a Europa parecia cristalizada até à Rússia invadir a Ucrânia, também o Médio Oriente perdia a sua importância estratégica até estes ataques do Hamas.
O mundo tinha desistido da questão palestiniana desde que Arafat recusou o acordo de paz de 2000, mas o mundo não pode mais continuar a assobiar para o lado.
Quando uma parte desse mundo considera que o Hamas é um grupo terrorista, e outra parte diz que se trata de um grupo de libertação nacional, significa que estas são posições inconciliáveis. Significa, também, que a segunda parte não permite que o Hamas seja retirado do processo político no Médio Oriente.
Pode um grupo terrorista fazer parte de um processo de paz? Aos nossos olhos não, aos olhos do outro sim e, aos olhos da história, também.
Se, no passado, nunca foi possível conciliar os objetivos maximalistas das partes no processo de paz, atualmente recuámos a um ponto no qual uma das partes volta a não conseguir sentar-se com a outra e nem com o aliado do ocidente se conseguem conciliar posições.
Neste contexto, como com alguns oásis, a paz é apenas miragem.