Zorros sem espada

Acreditar em crianças só boazinhas é como dizer que a lua só tem um lado.

Com a chegada do Halloween, algumas crianças têm oportunidade de ir mascaradas para a escola. À semelhança do que acontece no Carnaval, muitos encarregados de educação são advertidos para que os filhos não levem máscaras demasiado assustadoras, nem brinquedos bélicos.

Já lá vai o tempo em que o Zorro usava espada!

É compreensível que com tantas crianças entusiasmadas haja receio de que alguma se magoe. Que por hipótese alguém atinja o olho do amigo com uma espada. Mas se algumas espadas poderão eventualmente magoar, as pistolas, por exemplo, embora sejam dos brinquedos mais inofensivos, são também dos mais censurados nas brincadeiras dos mais novos. Neste caso não podemos dizer que são banidos por uma questão de segurança, mas unicamente por preconceito. Há uma grande tendência para confundir violência com brincadeiras naturais e saudáveis, próprias da idade

É permitido jogar à apanhada, mas se for aos polícias e ladrões já não fica bem, podem jogar ao ‘mata’ e atirar boladas com força uns contra os outros, mas brincar com pistolas não, porque é perigoso, podem ser super-heróis a lutar contra o crime, mas se forem um polícia não podem estar armados e um ladrão, então, é olhado com desconfiança.

De uma forma geral as ‘brincadeiras de rapazes’, que muitas vezes de violento têm pouco, são evitadas e censuradas.

Alguns adultos, com a melhor das intenções e alguma ingenuidade, têm receio que as crianças que brincam ‘aos maus’ se tornem más, da mesma forma que acreditam que se brincarem só ‘aos bons’ serão crianças boas. Mas tal como nos contos infantis há bons e maus, as crianças não têm só o lado de princesa ou de capuchinho vermelho, têm também um lado de bruxa, de cavaleiro, de lobo mau, e é natural que queiram experimentar e viver todos esses papéis.

Limitar a espontaneidade das crianças, tentar condicionar as suas brincadeiras, a imaginação, os impulsos mais agressivos, aqueles em que experimentam lutar, fugir, perseguir e simbolicamente matar e sobreviver, é negar uma parte delas.

Acreditar em crianças só boazinhas é como dizer que a lua só tem um lado. É não dar espaço a conflitos e medos, não deixar resolver angústias e inseguranças, condicionar e não respeitar o seu vasto mundo interno. Não há razão para ter medo deste instinto que tem tanto de agressivo como de inocente. É uma falsa ideia pensar que ao admiti-lo estaremos a alimentar a agressividade nas crianças. Perigoso sim, é ignorá-lo. É não aceitar as crianças como um todo. É não dar oportunidade de se exprimirem, de reforçar a autoestima, a autoconfiança, a segurança, controlar as emoções e a agressividade através das típicas ‘brincadeiras de rapazes’.

Se até no Halloween as crianças só podem ser um bocadinho más e assustadoras e não podem ir devidamente armadas para se defenderem dos monstros e vampiros que poderão atacar, quando o poderão fazer? E como vão reagir se um dia se confrontarem com uma situação verdadeiramente assustadora e perigosa?