Filipe Pathé Duarte é Professor e investigador da NOVA School of Law, onde coordena o Master’s Degree in Law and Security. Trabalha há quase duas décadas o tema do terrorismo e é autor do livro Jihadismo Global: Das Palavras aos Actos (Marcador Editora, 2015).
Está a Europa outra vez a passar, como em 2015/ 2016, por um ciclo de terrorismo de matriz jihadista?
É possível que tenhamos outro ponto de inflexão do jihadismo global. A causa palestiniana é elemento aglutinador do mundo islâmico e de jihadistas de vários espectros. Logo, poderá servir de alavanca retórica para impulsionar e legitimar violência. Se atentarmos à Frente Islâmica por uma Jihad contra Judeus e Cruzados, um dos documentos fundadores do jihadismo global, publicado em 1998 no jornal London Al-Quds al-‘Arabi, a ocupação de Jerusalém e o ‘assassinato’ de muçulmanos por Israel estão lá e são um pilar argumentativo.
Estamos mais preparados para lidar com essa ameaça? Ou mais vulneráveis?
Ambos. Por um lado, houve um processo de aprendizagem e uma maior consciencialização do tipo de ameaça, traduzível, por exemplo, na partilha de informação entre as autoridades, na colaboração com a sociedade civil, ou na identificação/monitorização de potenciais extremistas violentos. Por outro, o impacto social e político desta ameaça será maior, tendo em conta o actual o espectro político-partidário na Europa. Outro ponto de vulnerabilidade poderá ser a faixa etária dos potenciais jihadistas, que é cada vez mais baixa, e o acompanhamento e monitorização de conteúdo extremista que circula em plataformas online encriptadas.
No atual contexto, tratar-se-á de uma estratégia jihadista concertada orientada para a punição e desestabilização da Europa, ou mais um fenómeno de ‘lobos solitários’, não recrutados?
Para já, não creio que seja uma estratégia concertada. Ainda assim, a sistematização do jihadismo – não dependente de uma cadeia de comando ou de estrutura – é uma estratégia há muito seguida, quer pela al-Qaeda, quer pelo Daesh. Aliás, está bem definida nos escritos de Abu Musab al-Suri, Um Apelo à Resistência Islâmica Global, onde afirma que a jihad deverá ser um sistema e não uma organização (Nizam, la Tanzim). Ou seja, al-Qaeda e, mais tarde, o Daesh deveriam ser estruturas que inspiram e não que organizam ou comandam. A ‘resistência’ deverá ser individual.
É possível que o Hamas e grupos que lhe são próximos determinem a Europa como ‘inimigo distante’?
Acho pouco provável, a curto prazo. Poderá alienar apoio à causa palestiniana e contrariar a polarização política europeia, que lhes é favorável. Mas essa decisão poderá também depender do apoio que a Europa venha a dar a Israel.
Um fenómeno a que temos assistido, desde há já algum tempo, é o da radicalização entre os mais jovens, muitas vezes imigrantes de segunda e terceira geração. O que é que está a falhar? E considerando o atual contexto europeu, é possível quebrar o ciclo de ressentimento, radicalização e violência?
Há várias coisas que falharam – desde os processos de integração, passando pelas sucessivas crises que impossibilitam o cumprimento de expectativas ou pelo limbo identitário onde muitos desde jovens se encontram, fazendo com que caiam na pequena criminalidade e fiquem permeáveis a narrativas extremistas que lhes dão propósito e pertença. É muito difícil quebrar este ciclo. É geracional. E tende a continuar. Por isso, a breve trecho, seremos confrontados com a nossa capacidade de absorção dos crescentes fluxos migratórios – sabendo que isso, a longo prazo, pode significar uma ameaça à nossa segurança.
Faz sentido a tentativa, observada em França e partes da Alemanha, de proibir manifestações de apoio à Palestina?
Apenas se for posta em causa a ordem pública e a segurança. Ou seja, se representar uma ameaça.
Poderá vir a estabelecer-se um nexus entre o aumento da ameaça terrorista e a restrição de direitos e liberdades?
A radicalização e o extremismo violento são fenómenos muito complexos. E nem sempre podem ser analisados num modelo racional de causa/efeito ou custo/benefício. Há vários factores que contribuem para este processo, que é, essencialmente, individual. Mas é possível que a restrição favoreça mais narrativas de vitimização que exploram o ressentimento – sobretudo se as restrições forem segmentadas.
Do ponto de vista político, a Europa mudou nos últimos 8 anos. Como é que o eventual aumento do número de ataques jihadistas poderia impactar as eleições europeias do próximo ano?
Poderá ter um impacto significativo. Basta estarmos atentos à retórica do medo, explorada por movimentos políticos mais à extrema-direita. Essa retórica tem tido sucesso – é olhar para intenções de voto da última década. O medo, associado ao desgaste do nosso contrato-social, pode criar condições para alteração das dinâmicas de poder político na Europa. Nada de novo, é certo. Mas, agora, se a perceção de insegurança aumentar, este processo pode sofrer uma aceleração.
O jihadismo serve-se do pluralismo das sociedades europeias, mas opõe-se à ideia de sociedade aberta. Estaremos a caminhar para sociedades mais fechadas?
Possivelmente. O objetivo final é a alteração das dinâmicas do poder político. É a cristalização da polarização social, que vai criar mais ressentimento, logo mais radicalização e capital para violência política. Mas repare que o jihadismo e o fechamento da sociedade aberta são dois lados da mesma moeda. Há uma relação simbiótica entre as duas partes. São uma espécie de ciclo autofágico. Alimentam-se mutuamente, porque se justificam um no outro. No fundo, leio a moeda como um subproduto reactivo da pós-modernidade ou da globalização, mas isso seria outra conversa e outra entrevista….