Carlos Costa, hoje com 59 anos, tinha uma vida considerada normal até ao dia em que sofreu um acidente de trabalho. “Fui operado nesse mesmo dia, em 2018, e no dia seguinte fui para casa. Em 2019 a coisa correu mais ou menos, em 2020 também, mas em 2021 as dores incomodavam-me e dirigi-me ao médico do meu serviço. Ele disse-me que eu devia fazer uma colonoscopia. E fui fazê-la a um hospital privado”, conta, explicando que foi detetado “um objeto que parecia uma rede metálica” durante o procedimento.
Depois de cirurgias, internamentos, bactérias e o crescimento de uma hérnia abdominal que, atualmente, atingiu 30 centímetros – e que o limita profundamente nas atividades diárias -, Carlos admite que já ponderou pôr termo à vida. “Se não fossem os meus netos, os meus filhos e a minha mãe, teria posto termo a isto tudo. Dizem-me que têm cirurgias atrasadas da pandemia e que tenho de esperar para ser operado. Mas quanto tempo terei de esperar mais? As doenças oncológicas têm de ser tratadas, obviamente, mas, se forem todas tratadas primeiro do que eu, nunca mais serei operado! Não sei o que hei de fazer. A minha sorte é que trabalho numa excelente empresa e tenho uma família incrível”, confessa. “Deixaram-me parado na vida. Já perdi dois anos da minha vida”.
“Eu não vivo, eu sobrevivo. Só trabalho para que a minha cabeça fique distraída. Não tenho nada a dizer do Hospital de S. Francisco Xavier, porque sempre fui bem tratado mas, por favor, olhem para o meu caso e não continuem a dizer que não sou um caso prioritário”, pede Carlos, que, tal como explicou numa reportagem emitida na TVI, na passada sexta-feira, frisa que se sente como uma jovem que está a esconder uma gravidez da família, dos amigos e das pessoas em geral. “Não posso usar roupas normais e nem sequer viajar. Estou cansado de viver assim”.
Mas Carlos não é caso único a desesperar por uma cirurgia. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Hospital Garcia de Orta, em Almada, para Normal – Doença Oncológica, em Senologia, o tempo de espera é de 1181 dias. Para Angiologia e Cirurgia Vascular, Normal – Doença Não Oncológica, espera-se 226 dias, no Hospital Beatriz Ângelo. Para Cirurgia Geral, na mesma prioridade, aguarda-se 284 dias no mesmo hospital, 359 no Hospital de Faro e 537 no Garcia de Orta. Para Cirurgia Pediátrica, no Hospital Dona Estefânia (Centro Hospitalar Lisboa Central, EPE), 410 dias. Para Neurocirurgia, 300 dias no Hospital Santa Maria. Em Ortopedia, espera-se 702 dias no Hospital Distrital de Santarém.
No ano passado, em alguns casos, o tempo de espera para consultas médicas era superior a um ano, especialmente na área de tratamento da obesidade, com 426 dias de espera no Hospital Egas Moniz e 422 dias em Setúbal. No entanto, na maioria dos casos, os tempos de espera são menores do que um ano. É importante notar que os pacientes já tiveram que esperar por uma consulta anteriormente, antes de enfrentar estes longos períodos de espera.
No âmbito das consultas, o panorama agrava-se ainda mais. No Hospital Sousa Martins – Guarda, espera-se 1193 dias por uma consulta de Cardiologia quando a prioridade é normal. Para Oftalmologia no Hospital de Portimão (Centro Hospitalar Universitário do Algarve) 1135 dias. Depois, 958 para Pneumologia no Hospital Dr. José Maria Grande – Portalegre (Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, EPE) e 890 para Cirurgia Geral – Obesidade no Hospital Espírito Santo de Évora. 843 é a quantidade de dias que se aguarda por uma primeira consulta de Ginecologia – Apoio à Fertilidade no Hospital de Faro e 750 de Urologia no Garcia de Orta, seguindo-se 636 em Neurologia no Hospital de Santo André – Leiria.
Nos primeiros três meses de 2022, várias especialidades médicas, como oftalmologia, dermato-venerologia, endocrinologia, ginecologia e urologia, apresentaram os maiores tempos de espera, especialmente nas áreas do interior do país.
Houve três consultas com uma média de espera superior a mil dias. Duas delas estão localizadas na Unidade Local de Saúde da Guarda: a consulta de dermatologia no Hospital de Seia tinha uma espera de 1391 dias, enquanto a consulta de oftalmologia no Hospital da Guarda tinha uma espera de 1074 dias (com um tempo de espera de 999 dias em Seia). Além disso, a consulta de oftalmologia no Hospital de Portimão também tinha um tempo de espera superior a mil dias, com 1059 dias.
Outros exemplos incluem uma espera de 610 dias por uma consulta de dermatologia no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, uma espera de 717 dias por uma consulta de endocrinologia no Hospital de Chaves e uma espera de 442 dias por uma consulta de Ortopedia no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Além disso, as consultas de Pneumologia em Portimão e em Chaves têm tempos de espera de mais de 700 dias, e uma consulta de Urologia no Hospital São Pedro de Vila Real tem uma espera de 788 dias.
O Ministério da Saúde decidiu estender o programa de incentivos para aumentar a atividade assistencial do Serviço Nacional de Saúde (SNS) até ao final de março do próximo ano. Esse programa foi criado em julho de 2020 para recuperar a atividade de saúde que foi interrompida devido à pandemia da covid-19. O plano permite pagar mais às equipas de saúde que realizam primeiras consultas e cirurgias, com o objetivo de reduzir as listas de espera e atender a uma procura crescente.
Até abril deste ano, esse programa já possibilitou a realização de mais de 100.000 cirurgias e mais de 240.000 consultas adicionais.
O Ministério da Saúde reconhece a importância de manter esse programa, especialmente durante o período de implementação de mudanças estruturais nos hospitais, como o alargamento dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI), que visam melhorar a eficiência no atendimento às necessidades de saúde da população.
Desde o início do programa, em 2020, até abril de 2023 foram realizadas 248.801 primeiras consultas hospitalares e 116.366 cirurgias, representando um investimento considerável.
A atividade tem aumentado significativamente, com um aumento notável nas consultas e cirurgias, acompanhado por uma maior procura por serviços de saúde.
A decisão de prolongar os incentivos deve-se à necessidade de garantir que sejam cumpridos os Tempos Máximos de Resposta Garantidos e também para incentivar a reorganização interna dos hospitais do SNS.