Escolhendo João Galamba para o discurso de encerramento do debate na generalidade do orçamento de Estado para 2024, António Costa quis apoucar o Presidente da República, que dias antes vetara o diploma de privatização da TAP, pedindo ao Governo «esclarecimentos complementares».
O primeiro-ministro, que aos portugueses diz «habituem-se», diz a Marcelo Rebelo de Sousa: «Aqui quem manda sou eu». A intenção é mesmo a de reforçar o conflito, usando a novela da gestão política da TAP como pretexto.
A este propósito, convém que tenhamos presente a demissão encenada do ministro das Infraestruturas há perto de seis meses e a declaração do chefe de Estado acusando ao tempo João Galamba de ser responsável por «situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis», de ter argumentado em público sobre declarações de um subordinado e «revelado pormenores do funcionamento interno, incluindo referências a outros membros do Governo», acrescendo uma intervenção do SIS à margem da lei e da Constituição.
Desde esse dia, António Costa assumiu uma fratura com o Presidente da República, não aceitando a demissão de Galamba e recordando que «cabe ao primeiro-ministro – apenas e só – a decisão de demitir ministros». Todos estes episódios ajudam a perceber que o assunto nunca ficou ultrapassado.
Dito isto, a TAP é uma expressão lapidar da incompetência e das contradições de um governo, mais notado pela sucessão permanente de casos e demissões, do que pela resolução dos problemas.
Quando em 2015 o Governo da coligação PSD/CDS decidiu privatizar a empresa, que teria de operar no mercado em base concorrencial, António Costa, na oposição, contestou a «teimosia» do Governo. Depois, já primeiro-ministro na ‘geringonça’, anunciou a reversão em 6 de fevereiro de 2016, porque a TAP era tão importante para o Estado, como as caravelas do tempo dos descobrimentos. Agora, depois de gastos mais de 3,2 mil milhões de euros de impostos dos contribuintes, naquele que foi o devaneio ideológico mais caro da democracia portuguesa, decidiu reprivatizar a companhia outra vez. Para além da demonstração de que socialismo tem horror a contas certas, a novela em que este processo se transformou é simplesmente surreal.
Deste recente, curto e caro tempo de participação maioritária do Estado na TAP, guardaremos na memória uma administração que funcionou como uma espécie de oásis, à margem da realidade difícil do país e da própria empresa, com indemnizações de meio milhão de euros decididas por SMS de um governante, depois acometido de surto amnésico, revelador do rigor com que o socialismo utiliza os parcos recursos.
Quando as coisas se passam com tamanha leviandade, é obviamente importante que o Presidente da República queira ver clarificada a capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado na TAP, a questão da alienação ou aquisição de ativos e a transparência de toda a operação. Na verdade, é o mínimo.
Fique também a certeza, de que para quem paga impostos, os problemas estão muito longe de ter terminado.