A expressão ‘alta definição’, muito comum nos nossos dias, veio mesmo para ficar. As novas tecnologias obedecem todas a essa mais-valia e, tanto no som como na imagem, já nada se consegue conceber sem a sua presença, o que significa um passo em frente no caminho do progresso.
Com a alta definição conseguimos uma melhor qualidade e uma visão do pormenor, que permite um maior rigor naquilo que estamos a interpretar. No fundo, percebemos o que é mesmo importante e é preciso valorizar, deixando para trás o que é supérfluo e não deve mobilizar a nossa atenção.
Mas, se a tecnologia deve obedecer aos critérios da alta definição, a nossa vida também deve ser pautada pelo mesmo padrão, isto é, deve ser vista com ‘olhos de ver’, pondo em evidência o que verdadeiramente interessa e afastando dos nossos horizontes os ‘artefactos’ e as coisas insignificantes às quais nos agarramos, por vezes, afincadamente, como se não houvesse mais nada em que pensar.
A minha experiência como médico diz-me que talvez mesmo a maioria dos doentes se preocupa demasiado com aquilo com que não devia preocupar-se, esquecendo o essencial – apesar dos conselhos do médico assistente, que nem sempre são seguidos.
Recordo – ainda que num contexto diferente, mas na mesma linha de pensamento – as palavras sentidas do nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa após a visita à Ucrânia. Depois do que tinha visto em ‘alta definição’ naquele país atingido pelos horrores da guerra, que destruiu edifícios, desmantelou famílias e provocou milhares de mortos, fará algum sentido pôr no mesmo patamar de importância notícias que nos mostram apenas os reflexos de uma sociedade decadente?
Ao falar em ‘alta definição’, não posso deixar de citar o programa televisivo com o mesmo nome que a SIC transmite ao sábado desde há alguns anos. Conduzido criteriosamente por Daniel Oliveira, o experiente e categorizado profissional que os portugueses bem conhecem, o programa tem como finalidade entrevistar figuras públicas que se revelam tal como são, para lá daquilo que nós, espetadores, estamos habituados a ver nas personagens que representam. Com um formato próprio, a fazer lembrar um consultório de psicanálise, a entrevista diferencia-se de outras em dois pontos, um que tem a ver com o entrevistador e outro com os entrevistados.
Do entrevistador, para além da sua inegável categoria, o que mais me apraz registar é o saber ouvir. Lá diz o ditado: ‘Saber ouvir é uma grande virtude’. Na minha profissão, ouvir atentamente o doente é fundamental. Infelizmente, muitos doentes queixam-se de que não são ouvidos como devia ser quando procuram o médico. E revoltam-se com razão. Isso deve-se ao fator tempo e ao número exagerado de utentes que na sala de espera aguardam a sua vez para serem atendidos, limitando drasticamente o tempo de cada consulta. Quanto aos entrevistados, é fácil perceber o comportamento de uns e de outros perante a vida. Para quem já viveu um problema grave, tudo o resto é remetido para um plano secundário; para os outros, o menor contratempo pode constituir um problema. E a resposta à pergunta final: “O que dizem os teus olhos?” – que é de uma enorme profundidade e vai muito para além de uma simples curiosidade – diz muito sobre cada um.
Penso, por vezes, como responderia se a pergunta me fosse feita. E julgo que a resposta seria mais ou menos esta: “Os meus olhos dizem-me que querem ver a vida apenas como ela deve ser vista, ou seja, em ‘alta definição’”