Espanha e Portugal em nova disputa pela água, desta vez do Alqueva 

Asfixiados pela seca, produtores de Huelva querem a partilha temporária dos direitos de água da barragem de Alqueva para regar explorações. Cedência podia agravar situação no Alentejo, alertam agricultores portugueses.

A seca está a deixar os agricultores da Andaluzia em apuros.  Apesar dos temporais e das chuvas persistentes que a segunda quinzena de outubro trouxe à Península Ibérica, o pesadelo da falta de água persiste. Com a forte precipitação registada nas últimas semanas, as reservas de água nas barragens espanholas registaram, entre 19 e 31 de outubro, um aumento de 1883 hectómetros cúbicos, mas isso  não se traduziu num maior volume de água nas albufeiras da região de Huelva, onde a seca tem asfixiado o setor agrícola.

Esgotadas as possibilidades de acesso à água para o regadio, os vizinhos espanhóis acreditam que a solução estará do lado de cá.

No passado dia 11 de outubro, o parlamento andaluz aprovou uma proposta não legislativa, relativa à “cooperação internacional hispano-portuguesa”, recomendando ao Governo espanhol que solicite ao Governo português a “transferência dos direitos da água dos utentes da barragem do Alqueva (Portugal) para os utentes da bacia hidrográfica Tinto-Odiel-Piedras e Chanza”. Segundo a ata da sessão publicada pelo parlamento andaluz, que o i consultou, a proposta apresentada pelo Partido Popular (PP) de Andaluzia teve cem votos a favor, cinco abstenções e dois votos contra.

A deputada do PP Berta Centeno justificou que a iniciativa pretende solucionar um “problema gravíssimo que a província de Huelva tem com a seca”, argumentando que a água é “essencial” e “vital” para a região “porque o peso que o setor primário tem na economia de Huelva é muito superior à média das restantes províncias da Andaluzia, só superado por Almería”.

Berta Centeno realçou que o mundo agrícola na província de Huelva tem vivido “momentos difíceis”, continuando os cultivos ainda que com um “grande esforço” quanto à “eficácia e eficiência hídrica”, e instou o Governo espanhol a tomar medidas no âmbito da Convenção de Albufeira – acordo que regula o uso da água dos rios partilhados pelos dois países (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana).

Defendendo que a transferência dos direitos da água do Alqueva para os utentes da bacia hidrográfica Tinto-Odiel-Piedras e Chanza seria uma medida “temporária”, “excecional” e de “curto-prazo”, a deputada destacou ainda a dimensão “realmente impressionante” da barragem de Alqueva para reforçar a sua argumentação.

“É a maior da Europa Ocidental, com 250 quilómetros quadrados de superfície, que se alimenta maioritariamente por águas espanholas e tem uma capacidade de 4150 hectómetros cúbicos, neste momento com um volume de água armazenado de 2834 hectómetros cúbicos, quase a 70% da sua capacidade. Contudo, vemos que ao lado, em Huelva, a bacia hidrográfica Tinto-Odiel-Piedras e Chanza conta apenas com 371 hectómetros cúbicos de água armazenada e está a 33% da sua capacidade”, elencou.

Deputados de outros grupos parlamentares contrapuseram com a falta de infraestruturas para explicar a escassez de recursos hídricos na região, evidenciando que todas as barragens de Huelva têm um armazenamento total de 1500 hectómetros cúbicos e que a solução não passa por pedir água a Portugal. 

“Mas que credibilidade temos como Governo quando fazemos esse tipo de coisas? Se continuarem a deslocar o problema para oeste, vão acabar a pedir água ao Mississippi”, ironizou o deputado socialista Mario Jiménez Díaz. 

Agricultores portugueses são contra

De acordo com a imprensa local da Andaluzia, já se iniciaram conversações com Portugal para a transferência de água do Alqueva para Huelva. “Estamos neste momento em conversações com o Governo português, para tentar abastecer o campo e as necessidades que temos a partir da barragem do Alqueva”, afirmou o delegado do Governo espanhol na Junta da Andaluzia em Huelva, José Manuel Correa, cita o Viva Huelva.

Até ao momento, o Executivo português não confirmou quaisquer conversações. Em meados de outubro, à margem da reunião da Comissão Permanente da Seca, o ministro do Ambiente foi questionado sobre a pressão de Espanha para a “transferência temporária de água da barragem de Alqueva”, tendo Duarte Cordeiro respondido que “ainda não chegou qualquer pedido” das autoridades espanholas.

A hipótese também não está a ser vista com bons olhos pelos agricultores portugueses, que entendem que o país “não se pode dar ao luxo” de ceder ou vender a pouca água que tem armazenada.

Em declarações à Lusa, o presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo avisou que a pretensão espanhola poderia colocar em causa a agricultura alentejana também impactada pela seca e que é beneficiada pelo Alqueva. Rui Garrido lembrou ainda que Portugal não se pode “esquecer que o ano passado ou há dois anos [os espanhóis] queriam cortar a água do caudal ecológico para Portugal no Douro”.

Pedro Horta, da associação ambientalista Zero, também defendeu que a cedência de água a Espanha, a acontecer, deve ser antecedida de informação completa do objetivo dessa água, uma vez que pode não estar em causa uma crise de abastecimento alimentar, mas sim o regadio de estufas.