Querida avó,
Para felicidade de todos nós, reabriu, recentemente, a Buchholz, uma das livrarias mais emblemáticas de Lisboa e transversal a várias gerações.
Gostei imenso de ouvir o Zeferino Coelho, o Paulo Portas e o Daniel Sampaio (entre outros), a relatarem histórias da livraria fundada em 1943 pelo livreiro alemão Karl Buchholz, que trouxe para o nosso País os melhores livros estrangeiros, à época, uma novidade para a maioria dos portugueses.
Todos disseram que era a livraria mais desorganizada que conheceram e que as alemãs que lá trabalhavam tinham muito mau feitio.
A livraria esteve encerrada uma temporada para obras de renovação. A Buchholz celebra oito décadas este ano. Portanto, nasceu no mesmo ano que tu, imagina. Foi renovada por fora e revitalizada por dentro.
A nova Buchholz acolhe exposições temporárias e terá novamente uma zona dedicada à música.
Como não podia deixar de ser, o teu primeiro livro Rosa, Minha Irmã Rosa, um dos primeiros livros publicado pela Caminho, faz parte da exposição em exibição na livraria.
Já te deste conta que este teu livro celebra 45 anos no próximo ano?
Vou falar com o Dr. Pinto Balsemão. Devias receber o “Prémio Carreira” no próximo ano.
Vim de lá agarrado ao livro Misericórdia da Lídia Jorge. Já andava para o ler há algum tempo.
Como sabes vou fazer uma viagem de avião para celebrar o meu aniversário.
Vou aproveitar para o ler durante o longo tempo que se passa nos aeroportos e nos aviões.
Depois conto-te tudo (ou quase tudo).
Bjs
Querido neto,
Tive imensa pena de não te ter acompanhado a reabertura da Buchholz. Uma das minhas livrarias preferidas e onde, como sabes, já fiz o lançamento e apresentação de inúmeros livros.
Já que falaste do Dr. Francisco Pinto Balsemão, vou partilhar contigo uma história que nunca esqueci. Ultimamente tem-se falado muito dele. Porque está muito envelhecido, porque deve estar doente, e quem é que ficará a dirigir as empresas depois dele, etc…
Confesso que nunca penso nisso, e o que eu mais quero é que ele chegue aos 100 ou mais, sempre lúcido como até agora. Tenho uma dívida de gratidão para com ele, que nunca serei capaz de lhe pagar.
Há muitos anos eu trabalhava no Diário Popular, que lhe pertencia. Ele estava sempre lá, no seu gabinete, mas é evidente que nós nunca o víamos. Se queríamos tratar de qualquer assunto, era sempre com o nosso chefe de redação ou com o diretor.
Mas por graça todos dizíamos que, se quiséssemos falar com o dono do jornal, não havia nada que saber, era só seguir o rasto da água-de-colónia que ele usava.
Um dia, estava na redação e ele mandou chamarem-me. Até tremi.
O dono a mandar-me chamar? Que raio teria eu feito!
Assim que entrei no gabinete acalmei, porque ele sorria com um ar ligeiramente divertido.
– Sabe quem acabou de sair? Claro que não sabe, nem adivinha.
Uma ligeira pausa.
– O Prof. Vitorino Nemésio. E sabe o que ele queria? Ou melhor, sabe o que ele me ordenou?
Um ligeiro silêncio.
– Que a despedisse. Porque tinha lido qualquer coisa que a Alice tinha escrito e não tinha gostado.
Fiquei a olhar para ele.
E agora?
Ele riu-se:
– Agora vou voltar a trabalhar, que tenho uma data de coisas a resolver, e a Alice vai para a redação fazer o seu trabalho, que para isso é que cá está.
Ainda acrescentou umas coisas bonitas sobre o meu trabalho, e cada um foi à sua vida.
Isto passou-se para aí em meados dos anos 60 – e recordo-o como se fosse hoje.
Bjs