Estilista conhecido pelo seu trabalho na indústria da moda, ganhou reconhecimento pelas suas coleções de moda masculina que muitas vezes incorporam elementos tradicionais portugueses. A sua abordagem única à moda masculina, combinando tradição e contemporaneidade, rendeu-lhe um lugar de destaque na cena da moda em Portugal.
Para celebrar os 30 anos de carreira, Nuno Gama, de 56, decidiu fazer um desfile no Castelo de S. Jorge, no sábado passado, e esteve à conversa com a LUZ.
«Estes 30 anos de carreira significam gratidão, felicidade por ter a oportunidade de continuar a amar aquilo que faço e encontrar magia à minha volta e, de repente, olhar para algo à minha volta que toda a gente acha que é rosa e eu achar que é amarelo e lindo! É disto que se trata: é como os poetas que pegam nas palavras que usamos todos os dias, de forma ‘banal’, e, de repente, fazem magia. Depois de tantos anos, podia já não me apetecer ou estar cansado, mas quero continuar aqui!», começa por dizer, explicando que quis homenagear D. Afonso Henriques e o mestre José de Guimarães.
«O desafio de fazer aqui o desfile foi do nosso presidente da Câmara, o doutor Carlos Moedas, e quando aqui cheguei, aquele senhor ali em baixo [cópia da estátua de D. Afonso Henriques da autoria de Soares dos Reis] começou a falar comigo. Pôs-me a ler, a fazer pesquisa, a fazer desenhos… começou a ocupar a minha vida! E há algo fascinante e, por isso, é que a coleção se chama ‘Essência’: é pensar que algures, há muitos anos, um homem recebeu um condado como prenda de casamento e pensou ‘Não, isto não me chega’ e decidiu vir por aí abaixo e fazer disto um país. Temos estas diferenças culturais, mas o amor e o facto de sermos todos seres humanos unem-nos. E também temos o mestre José de Guimarães, que pega numa tela branca, numa peça de ferro, numa pedra bruta e transforma-as. Fazemos coisas geniais e ultrapassamos os nossos limites», adianta o sobrinho do famoso escritor Sebastião da Gama, que se estabeleceu na cidade do Porto, onde se matriculou no curso de moda. Logo após concluir os seus estudos, em 1991, fundou a sua própria empresa de moda, a Nuno Gama Têxtil, Lda., e apresentou a sua primeira coleção na renomada Moda Lisboa. Durante esse período, colaborou com várias empresas têxteis do Norte de Portugal, envolvendo-se em diversos aspetos da indústria, como tecidos, peles, calçados e roupas para mulheres, homens e crianças.
Em 1993, Nuno Gama venceu um concurso para criar uniformes para os funcionários dos museus de Portugal. Posteriormente, em 1997, também ganhou um concurso para projetar uniformes para a Portugal Telecom. Essas conquistas destacam o seu reconhecimento e sucesso na indústria da moda e na área de design de uniformes institucionais. Além de ter apresentado as suas coleções em eventos de moda nacionais como o Portugal Fashion e o Moda Lisboa, Nuno Gama também expandiu a sua presença internacional participando em feiras de moda conceituadas, como o Nouvel Espace em Paris e o Gaudí em Barcelona. Também teve a oportunidade de exibir o seu trabalho em importantes exposições internacionais, como a Mode Gitanes no Museu do Louvre em Paris e a exposição Hombres de Fraldas em Madrid. Essas experiências ajudaram a consolidar a sua presença global e a expandir as suas vendas para mercados em todo o mundo. Em 1996, Nuno Gama deu início a uma cadeia de lojas. Essas lojas foram posteriormente expandidas para um total de nove filiais, localizadas em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Vilamoura.
‘Falta investimento’
«Acho que fazia sentido fazer o desfile aqui. São 30 anos, é algo de peso. Há imensa gente à minha volta, imenso carinho e amor. Isso é que é importante. Antes do desfile, estava todo esfarrapado e a pensar que não seria possível. Mas foi!», sublinha. «Ainda tenho tantos sonhos. O meu maior sonho é que a guerra no mundo termine e que as pessoas se sentem à mesa e falem, arranjem soluções e que percebam que ninguém vem a este mundo por obrigação. A diferença não tem de nos afastar», frisa, acrescentando que «o que falta na moda portuguesa é investimento». Prova disso é o facto de a 51ª edição do Portugal Fashion, um importante evento de moda na cidade do Porto, poder ter sido a última devido à falta de apoio financeiro.
Esta possibilidade foi confirmada pela própria organização do evento através das redes sociais. Nos últimos cinco anos, de acordo com um estudo da Universidade Católica do Porto, o Portugal Fashion teve um impacto significativo na economia portuguesa, gerando um valor acrescentado bruto de 45,4 milhões de euros e proporcionando uma plataforma vital para o sucesso de designers nacionais, como Alexandra Moura, Diogo Miranda, Hugo Costa, Marques’Almeida e Miguel Vieira.
«Não posso falar pelos meus colegas, mas, no meu caso, sou eu mais eu e mais eu e sozinho, sozinho e sozinho. Cada coisa que fazemos é um ato de conquista gigante e, acima de tudo, de abdicação de tudo o resto. Se somar as coleções ao longo de todos estes anos, devemos estar a falar de milhões de euros. Mas, se calhar, prefiro não ir de férias e fazer uma coleção. Em vez de ter uma casa não sei onde, prefiro fazer uma coleção», explica Nuno Gama que, em 2015, foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. «Sobretudo, é importante que o país perceba que devemos levar um bocadinho de cada um de nós ao mundo: da nossa qualidade, da maneira como fazemos, da nossa sabedoria. Somos muito bons e especiais como seres humanos!».
Coleção Benfic e futuro
Além da coleção ‘Essência’, foi também apresentado o resultado do desafio de colaborar com o Benfica. «A coleção do Benfica representa uma estreia para mim, mas é curioso porque começámos a discutir a possibilidade de trabalhar juntos há muito tempo, houve idas e vindas, debates sobre como fazer isso, e o projeto foi adiado várias vezes, até que recentemente decidimos finalmente avançar. Este é o momento em que tudo se concretizou», diz sobre a coleção dedicada ao clube. «Esta coleção não é destinada aos jogadores, é para todos os consumidores e, principalmente, para os fãs do Benfica. Estamos a focar-nos na sustentabilidade e qualidade. Em vez das pessoas terem 50 peças, agora podem ter peças melhores». «Fiquei muito satisfeito por poder criar um design com a águia, um símbolo que admiro profundamente, pois é uma águia forte e imponente. Sinto-me honrado por fazer parte deste grande clube de alguma forma».
Com vários projetos idealizados, Nuno Gama reconhece que agora é tempo de parar para refletir: «Após a experiência incrível do desfile e todo o amor e carinho recebidos, estou atualmente a absorver todos esses sentimentos. Este é o momento de reflexão e gratidão. Quanto ao futuro, estou ansioso para iniciar a próxima coleção, pois já estou repleto de ideias inspiradoras». «Mas peço um pouco de paciência, pois ainda é cedo para embarcar noutra jornada maravilhosa. O dia de amanhã pode esperar, pois estou a aproveitar plenamente o presente», conclui o estilista cujo ateliê, em outubro de 1998, localizado na Rua do Almada, no coração da Baixa do Porto, foi afetado por um incêndio devastador que destruiu praticamente todas as coleções que havia criado ao longo de oito anos de atividade. Esse trágico incidente também levou ao fecho da sua rede de lojas. No meio dessa tragédia, apenas uma coleção foi salva, a que estava armazenada no Mercado Ferreira Borges, no Porto, e que estava destinada a ser exibida durante o Portugal Fashion.