Imagino que, em condições normais, o dr. António Costa, nosso primeiro-ministro demissionário, seria convidado para estar presente na bancada presidencial do Estádio da Luz, domingo, para assistir a mais um dérbi entre Benfica e Sporting. A questão é que as coisas estão num estado de forma nada normal. E, assim sendo, boas notícias para o dr. Costa que já não tem de ir à Luz. Evita, para começar, alguns impropérios e insultos de muita gente que há pouco tempo o elegeu com maioria absoluta. O povo português é mesmo assim: ingrato ao ponto da canalhice. Tenho simpatia pessoal pelo dr. Costa e vejo-o como um homem sério até que me provem o contrário, por muitos amigos mal formados com que possa rodear-se. Teve a dignidade de se demitir mal o Ministério Público, essa entidade que tresanda ao fascismo por todos os poros, utilizou a sua habitual matilha de cães encarniçados da comunicação social (sempre os mesmos) para resolver, mais uma vez, uma questão de justiça, mesmo que ainda tenha o Caso Sócrates entalado na garganta como um osso de galinha. A dignidade que, por exemplo, o treinador do Benfica, Roger Schmidt não teve depois de ter conduzido a sua equipa a um dos momentos mais achincalhantes do clube ao longo da sua história centenária, oferecendo de bandeja aos espetadores de San Sebastián um espetáculo de palhaçada grotesca como raramente se vê na Liga dos Campeões. Mais um momento de sorte para o dr. Costa, poupado a estar presente na Luz para ver um grupo ridículo de jogadores sem a mínima noção do que está a fazer em campo e que, só por milagre, se safará de sair mais uma vez de cabeça baixa de um jogo para o qual não está e forma alguma preparado.
Quem assistiu ao que aconteceu no jogo frente à Real Sociedad dificilmente terá deixado de sentir vergonha alheia. Claro que a culpa não pode ser assacada por completo ao treinador alemão (já aqui o tinha escrito isso há uns tempos num texto intitulado O Estranho Suicídio do Senhor Schmidt) porque o plantel do Benfica está pejado de inutilidades como Arthur Cabral (de bradar os céus tamanha inabilidade seja para o que for), Di María (que já deveria, até por respeito por si próprio, ter metido os papéis par a a reforma), e de gente cuja autoestima foi completamente destroçada, casos de Florentino, Rafa, Aurnes ou António Silva, fantasmas do que foram. Sobrevive, naquele lodaçal, um pobre João Neves que será mais do que provavelmente vendido em janeiro para tapar o buraco financeiro que foi a presença (ou a ausência, melhor dizendo) nesta Liga dos Campeões.
Alguém se levante!
Domingo o Benfica entrará em campo diminuído como poucas vezes terá enfrentado o Sporting. E, dentro da normalidade, sairá do jogo também com o campeonato comprometido de vez, por muito que o futebol seja atreito a surpresas. Ou seja, com a época destroçada logo em novembro. Alguém, e este alguém tem de ser o presidente Rui Costa, vai precisar de se levantar do cadeirão do poder e explicar como, de um ano para o outro, o plantel ficou tão qualitativamente mais fraco. E também vai ter de justificar o porquê da renovação precipitada com um treinador que, depois de um fantástico início de trabalho no clube, veio dando cada vez mais indícios de que estava enfiado num fato demasiadamente largo para ele.
Não é possível branquear a exibição do Benfica em San Sebastián e aqueles vinte minutos iniciais nos quais só por mera sorte não sofreu seis ou sete golos em vez de apenas três. Não é possível aceitar placidamente, virando a cara para o lado, a miséria competitiva de um dos que foi grande na Europa e no mundo e se apresentou em campo como se fosse a Liga dos Amigos de Aguada de Cima, clube que até é dos meus. O dr. Costa pode ter a sorte de não ir à Luz sujeitar-se a insultos e a vergonhas, mas o sr. Roger Schmidt não tem essa felicidade e precisaria de muito mais do que apenas sorte para transformar uma equipa de mendigos, como aquela que jogou na quarta-feira, numa equipa de homens dignos e orgulhosos. Não teve a hombridade de se demitir e dificilmente será demitido por um presidente que se tem mostrado tão solidário com ele, a despeito de continuar a escorregar pela ladeira da indigência a ponto de, num instante, ter perdido toda a credibilidade que os adeptos lhe concederam depois de ter vencido o campeonato. Schmidt é um fantasma à deriva, uma figura infeliz, sem ideias, e só não digna de pena porque não merece pena quem se sujeita à derrota e à humilhação sem um gesto de rebeldia, sem um grito de revolta, sem uma palavra de coragem. Sozinho, sem honra, num lugar que não merece e do qual deveria ter sido apeado depois de um dos maiores vexames a que sujeitou o Benfica, é uma lastimosa imagem da derrota em forma humana. Bateu no mais fundo dos fundos, seja qual for o resultado de domingo. Pode, por milagre, até repetir o título de campeão. Mas, depois da suprema humilhação de San Sebastián deixou de poder reclamar um lugar de respeito na história do Benfica que bem dispensava gente assim.