Kalle Rovanperä. A deslizar para o título

Foi a escorregar de curva para curva que, aos 23 anos, Kalle Rovanperä sagrou-se campeão do mundo de ralis pelo segundo ano consecutivo. É caso único no desporto automóvel… e pode não ficar por aqui.

O sorriso de menino, o discurso simples e objetivo e a descontração nos momentos mais delicados são de um adulto bem estruturado e não de um jovem de 23 anos. É um campeão precoce, que pode reescrever a história dos ralis. Rovanperä venceu a sua primeira prova do Mundial com apenas 20 anos, destronando o seu diretor desportivo Jari-Matti Latvala, Sébastien Loeb conseguiu feito idêntico aos 28 anos. O finlandês foi campeão do mundo pela primeira vez aos 22 anos, o francês só aos 30 anos se sagrou campeão mundial, mas depois venceu nove títulos consecutivos. A primeira vez que conduziu um carro ganhador, o Toyota Yaris WRC, venceu o Rali do Ártico e, no segundo rali, conseguiu o primeiro pódio com o terceiro lugar no Rali da Suécia. A forma descontraída como encara as provas está bem evidente na explicação que deu para ter escolhido o número 69: «Assim, quando o carro virar o número fica igual, mas não tenho intenções de capotar».               

Os grandes pilotos merecem ter os melhores carros, é isso que vai acontecer a Rovanperä. A sua capacidade para andar a fundo em asfalto, terra e neve, mas também de entender o comportamento do carro, de ler corretamente a estrada e dar um feedback preciso aos mecânicos vão, seguramente, permitir-lhe vencer muitas provas e estabelecer novos registos no Mundial de ralis na próxima década. É digno sucessor dos “finlandeses voadores”, e tem assento no restrito grupo de bicampeões do mundo onde estão Walter Rohrl, Carlos Sainz e Massimo Biasion.

O finlandês já era o mais jovem campeão do mundo suplantando o mítico Colin McRae, campeão com 27 anos, agora tornou-se o bicampeão mais jovem de sempre. Além da rapidez, venceu três dos 12 ralis disputados, revelou também grande regularidade de resultados, só por uma vez ficou abaixo do quarto lugar e registou apenas uma desistência. «O título deste ano é mais importante do que o do ano passado porque foi mais difícil de alcançar. As emoções em 2022 foram mais fortes por ser o primeiro título, mas o deste ano foi conquistado de forma mais inteligente, com um plano para toda a temporada e onde fomos bastante inteligentes e rápidos. A concorrência foi sempre muito forte. Podemos estar muito orgulhosos do que fizemos», disse o piloto, referindo a importância do seu navegador Jonne Halttunen, «o melhor do mundo».

O festival Rovanperä pode ter um curto interregno em 2024 por razões de força maior: o piloto não completou o serviço militar e, por essa razão, deverá ter uma temporada mais curta. Timo Jouhki, manager do piloto, confirmou que Rovanperä não cumpriu a totalidade do serviço militar, e adiantou que «irá completá-lo, mas é difícil dizer quando». «Poderá ser uma parte no próximo ano e a outra no ano seguinte».

Batizado com gasolina

Rovanperä nasceu a 1 de outubro de 2002 e começou a viver o mundo dos ralis desde muito novo. O seu pai Harri Rovanperä fez o campeonato do mundo entre 2001 e 2006, e venceu o Rali da Suécia com o Peugeot 206 WRC. Confrontado sobre o talento do filho, disse em jeito de brincadeira: «A água com que Kalle foi batizado devia ter gasolina».

Ainda muito jovem conduzia sentado ao colo do pai. «Foi o meu primeiro professor. Ensinou-me que um carro tinha volante, acelerador e embraiagem, depois disse-me para seguir em frente», recordou Kalle. Com seis anos andava de quads e buggys e aos oito dominava com grande mestria um Toyota Starlet de ralis adaptado, pois não chegava aos pedais. Nas escorregadias estradas de neve próximas de sua casa, o miúdo loiro e de olhos azuis brindava os amigos com vistosas derrapagens a alta velocidade dignas de um profissional (os vídeos no Youtube tornaram-se virais). Aos 11 anos deixou a imprensa especializada boquiaberta ao dar um recital de condução na neve com o Subaru Impreza do ex-campeão do mundo Juha Kankkunen. Para conseguir ver a estrada teve de colocar uma almofada no banco, e dizia a quem o acompanhava que tinha atingido 210 km/h em reta e que era fundamental estar concentrado e manter a cabeça fria.

Aos 14 anos foi correr para a Letónia, onde não é necessária carta de condução para participar em competições automóveis, desde que nas estradas nacionais fosse um adulto a conduzir, e conquistou três títulos consecutivos de ralis (de 2015 a 2017). Um dia depois de fazer 17 anos pediu uma autorização especial para tirar a carta de condução e poder participar num rali do campeonato do mundo, o Rali do País de Gales. Começou aí uma história que ainda tem muito para contar.