É preciso continuar a marchar!

O relatório anual do Ministério Público identifica a violência domestica como um dos fenómenos criminais que maior aumento registaram.

Há dois anos que marcho contra o fim da eliminação da violência contra as mulheres. Este ano, a Assembleia da República considerou que as mulheres sujeitas violadas não devem ter mais apoios, apenas concedendo um aumento do prazo de apresentação de queixa para um ano, ampliando assim os exíguos seis meses anteriormente concedidos. Continua assim a desrespeitar-se a Convenção de Istambul e a figurar na cauda dos 40 Estados do Conselho da Europa que a ratificaram. Na verdade, só dois desses Estados, Portugal e São Marino, não consideram ainda a violação um crime público. No ano de 2022, registaram-se em Portugal mais de 500 inquéritos por violação, o que representa uma subida de 26%, a maior dos últimos 10 anos, segundo números confirmados pelo Relatório Anual de Segurança Interna. Depois de uma quebra em 2020, os crimes subiram durante dois anos consecutivos. Se é verdade que tal subida se pode dever a uma maior iniciativa das vítimas na apresentação de queixa, também é certo que a violação continua a ter taxas elevadíssimas de casos em que os crimes não são perseguidos, por receio de estigmatização e de retaliações. É necessário, por isso, continuar a lutar pela  mudança de atitude em relação aos direitos das mulheres! Mas essa mudança é igualmente necessária na área da violência doméstica. Com 85 vítimas (conhecidas…) por dia, a violência doméstica está no rol dos crimes mais praticados em Portugal.

Os polícias receberam, até final de setembro, 23 306 queixas, o valor mais alto dos últimos três anos. Estavam em casas-abrigo 740 mulheres, 717 crianças e 19 homens.

O relatório anual do Ministério Público identifica a violência domestica como um dos fenómenos criminais que maior aumento registaram. Quanto a vítimas crianças, houve um crescimento de 151%; quanto a pessoas idosas de 31,4%. No âmbito do conceito alargado de violência doméstica, foram instaurados 35 626 inquéritos. Os números são assustadores e continuam a suceder-se as mortes provocadas nesse contexto: 18 vítimas mortais. Aquilo que pergunto é se devo estar a representar duplamente as mulheres na marcha dia 25 de novembro, como vítimas de violação e de violência doméstica.

Marcho todos os dias, com apelos, vídeos, imagens, desabafos e muito, muito sofrimento,  mas também com muitas ajudas. Em casos em que a vítima de violência doméstica pode ter sido espancada não uma, mas 400 vezes, o agressor continua a ser tratado com injustificada benevolência, sendo muitas vezes condenado numa pena leve de prisão que acaba por ser suspensa. Perante este quadro, assombra-me a pergunta sobre se vale a pena continuar a ‘marchar’. Porém, é necessário que as campanhas se intensifiquem para pôr cobro ao estatuto de terceira concedido às mulheres. Sim, vale sempre a pena lutar. Sim, vale sempre a pena marchar. Para que cessem de vez estes abomináveis atentados à dignidade das mulheres!