Doentes que sofrem de Alzheimer poderão sentir dor de maneira diferente das outras pessoas

O estudo, publicado na revista Nature Communications, foi financiado pelo Programa de Investigação e Inovação Horizonte 2020 da União Europeia.

Um estudo inovador do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências do King’s College London lança uma nova luz sobre como a doença de Alzheimer afeta a perceção da dor, potencialmente abrindo caminho para um melhor atendimento ao utente. O estudo explora o misterioso reino da dor em doentes com Alzheimer. O entendimento tradicional sugere que as pessoas com Alzheimer podem sentir dor de forma diferente, e este estudo fornece evidências convincentes nesse sentido.

A dor musculoesquelética crónica, um tipo de dor que afeta músculos e ossos, é comum entre indivíduos com Alzheimer, mas muitas das vezes não é tratada. Os défices cognitivos associados à doença de Alzheimer podem dificultar a comunicação da dor pelos doentes, deixando-a sem solução. Neste estudo, os investigadores descobriram uma via crítica que facilita a comunicação entre os neurónios sensoriais e a microglia (as células imunológicas da medula espinhal) em condições de dor inflamatória da artrite. Essa interação é fundamental na forma como a dor é percebida e processada.

A microglia não é apenas uma observadora passiva; molda ativamente a resposta do corpo à dor através de sinais moleculares específicos. Por exemplo, a investigação destaca os efeitos pró-nocicetivos (aumento da dor) da proteína Galectina-3 (Gal-3) em condições normais. Num corpo saudável, os sinais de dor viajam do local da lesão até ao sistema nervoso central, onde desencadeiam uma resposta imunitária. Este processo envolve Gal-3, que ajuda a transmitir sinais de dor à medula espinhal, onde se ligam a outra proteína, TLR4, para iniciar a resposta imunitária.

No entanto, este efeito está ausente em condições em que a proteína TLR4 é eliminada, sublinhando a importância da proteína no processamento da dor.

Os autores do estudo utilizaram um modelo de rato que imitava a doença para investigar esta questão. Depois de induzir a artrite reumatóide, uma doença inflamatória crónica, através da transferência de sangue em alguns ratos, observaram diferenças na forma como os sinais de dor são processados ​​nos ratos em comparação com os saudáveis. Observaram aumento da alodinia, tipo de dor causada por um estímulo que normalmente não provoca dor, em resposta à inflamação. Além disso, encontraram maior ativação da microglia – efeitos que foram determinados como regulados pelo TLR4.

Os investigadores descobriram que esses ratos não tinham TLR4 nas células imunológicas do sistema nervoso central, levando a uma resposta diferente à dor. O estudo observou menos dor relacionada com a inflamação das articulações e uma resposta imunológica mais fraca nesses ratos. A professora Marzia Malcangio, autora sénior do estudo, destaca a importância dessas descobertas. “A dor nocicetiva – dor resultante de danos nos tecidos – é a segunda comorbidade mais prevalente em indivíduos com doença de Alzheimer”, afirma em comunicado. “O nosso estudo mostrou que, em camundongos com Alzheimer, a capacidade do corpo de processar essa dor é alterada devido à falta de TLR4; uma proteína vital para o processo de resposta imunológica no sistema nervoso central.”

Esta alteração no processamento da dor pode contribuir para os sintomas psiquiátricos da doença de Alzheimer, sublinhando a necessidade de um melhor controlo da dor nestes pacientes. Como a dor não tratada pode exacerbar os sintomas psiquiátricos, é crucial compreender e abordar esta questão.

“Aumentar a nossa compreensão desta área poderia, com mais investigação, levar a tratamentos mais eficazes e, em última análise, melhorar a qualidade de vida das pessoas”, acrescenta Malcangio. George Sideris-Lampretsas, o primeiro autor do estudo, concorda com esse sentimento, observando que a investigação é um passo fundamental para ajudar os doentes com Alzheimer nos cuidados de longo prazo. “Os resultados deste estudo têm o potencial de fazer a diferença ao identificar a Galectina-3/TLR4 como um potencial alvo terapêutico para a dor crónica e, mais importante, ao aumentar a consciencialização sobre a dor subnotificada e não tratada sentida pelos doentes”, afirma.

Relativamente a Portugal, aproximadamente 200 mil pessoas sofrem desta patologia. Com o aumento da expectativa de vida e a população a envelher, o risco de doenças relacionadas com a idade, como a demência, está a crescer significativamente. Estima-se que o número de pessoas com demência em todo o mundo aumentará de 57,4 milhões em 2010 para 152,9 milhões em 2050, sendo as pessoas com mais de 65 anos as mais vulneráveis. Em Portugal, essa tendência também é evidente, com a previsão de que o número de casos de demência mais que dobre nas próximas décadas, chegando a 347 mil casos em 2050. O envelhecimento da população é um desafio global que requer atenção e estratégias de saúde pública para lidar com o aumento associado de condições relacionadas com a idade.

O estudo, publicado na revista Nature Communications, foi financiado pelo Programa de Investigação e Inovação Horizonte 2020 da União Europeia.