Com as constantes notícias de desacatos e bullying entre os mais novos, muitos pais ficam assustados e em estado de alerta. À mais pequena notícia de confusão na escola, os grupos de WhatsApp criados para facilitar a comunicação entre os pais incendeiam-se, por vezes com direito a acusações tão feias quanto infundadas. Não se pode dizer que façam por mal, o receio de que alguém possa magoar os próprios filhos é tão grande que muitas vezes empolam e tentam resolver situações normais entre os mais jovens de forma precipitada. Quanto mais frágeis e vulneráveis os filhos forem, ou quanto mais os pais os virem assim, mais atentos os pais vão estar e mais rapidamente irão agir.
Todas as crianças e jovens têm os seus desacatos e mal-entendidos. Naturalmente não me refiro a situações de bullying ou agressões, mas de desentendimentos pequenos, pontuais, em que se podem ofender ou até dar um empurrão ao outro. Dentro dos limites do normal e do saudável, faz parte do crescimento e do relacionamento entre todos. É também assim que se conhecem, que encontram o seu lugar no grupo, que se desafiam, que se expressam, que se afirmam. Zangam-se, mas também aprendem a fazer as pazes, magoam-se e aprendem a pedir desculpa, a defenderem-se uns aos outros, afastam-se e aproximam-se, fazem escolhas. Criam defesas e amigos para a vida. E terão sempre um adulto a quem recorrer na escola em caso de maior dificuldade. Se, de cada vez que uma criança chegar a casa e contar uma situação desagradável, os pais não tiverem a calma e sensatez de tentar contextualizá-la, de relativizar, avaliar as circunstâncias e a sua gravidade conversando com o filho para o ajudar a resolver a situação, partindo diretamente para o ajuste de contas com outros pais, podem não só estar a ser alarmistas e injustos com as outras crianças e famílias, como a mostrar ao filho que só uma parte deve ser ouvida, que ele não é capaz de se defender sozinho, que terão de ser os adultos a protegê-lo e que ele é intocável.
Naturalmente há situações mais graves às quais temos de estar atentos e que terão mesmo de ser mediadas por adultos, mas há muitas outras que são inofensivas, sendo as crianças impedidas de arranjar estratégias para as resolver autonomamente, com os colegas ou com a ajuda de um adulto da escola.
Nem sempre é fácil fazer a distinção entre o que é normal e o que passa o limite do razoável, sobretudo quando diz respeito aos nossos filhos. É importante estar atento, recetivo e aberto ao diálogo próximo, constante e de confiança com os mais novos, perceber como se sentem na escola e com os outros. Tal como é importante não partir do princípio que os nossos filhos são sempre as vítimas e os outros sempre os agressores. O mais provável é que nas várias situações possam estar em ambos os papéis, e eles próprios arranjarão forma de as resolver. Não os incentivar a encontrar uma solução e a resolver os conflitos por eles é privá-los de aprenderem a solucionar os seus próprios problemas, a defenderem-se e a ganhar coragem, a sentirem-se seguros para lidar com situações em que se sintam menos confortáveis. Devemos ouvi-los, ajudá-los a perceber o que se passou e dar-lhes não só boas ferramentas para se defenderem, mas também para não atacarem. Apoiá-los nos melhores e nos piores momentos do crescimento e do relacionamento com os outros, tentando interferir diretamente o mínimo e só quando é realmente necessário. Devemos deixá-los crescer e viver, como nós também fizemos.