A dolorosa velhice do gaulês eterno…

Astérix pode parecer mais novo, mas desenganem-se: envelheceu porque perdeu a frescura de quem o fazia como encanto impossível da infância. .

Com o advento do mês de novembro chega, inevitavelmente, um novo álbum de Astérix, esse eterno gaulês irredutível nascido da parceria entre Uderzo e Goscinny. Parece muito industrial, não parece? E é! Mas obedece a uma política que já vinha dos seus autores iniciais, embora esses chegassem a fazer dois álbuns por ano nos primeiros tempos, por isso nada a dizer contra. «Para iluminar a floresta, basta a floração de um só íris. O Lírio Branco é o nome de uma nova escola de pensamento positivo, vinda de Roma, que começa a propagar-se pelas grandes cidades, de Roma a Lutécia. César decide que este novo método pode ter efeitos benéficos sobre os campos romanos em redor da famosa aldeia gaulesa, mas os preceitos desta escola influenciam igualmente os habitantes da aldeia que com eles se cruzam…»: eis o que revela a sinopse. Depois, caminhando pelas páginas, tentando não tropeçar em nenhum javali, damos por nós a recordar-nos dessa extraordinária personagem chamada Detritus, um anãozinho miserável capaz de espalhar a zizânia até aos confins da aldeia gaulesa, aliás era esse o título original, La Zizanie, depois o português transformou-o em A Zaragata. Astérix caminha para velho. Nasceu em 1959, na revista Pilote, e em 1961, no primeiro de todos os livros, simplesmente Astérix O Gaulês, era, fisicamente, muito diferente do que é hoje. O desenho primitivo não é, pessoalmente, o que mais gosto. Fico-me talvez pela fase de O Combate dos Chefes, um dos álbuns mais psicadélicos e, ao mesmo tempo, mais bem construído do início ao fim, todo ele percorrido por um humor sibilino, sobretudo quando o druída desata a fazer tonterias com as suas poções que até põem gente aos quadradinhos e outros tão leves como balões de ar quente. Goscinny era Goscinny e ninguém é Goscinny por acaso. René nasceu em Paris no dia 14 de agosto de 1926, fruto de uma família de judeus polacos, e há que dizer que nunca nos últimos cem anos os judeus foram muito estimados em França, e isto é dizer pouco porque chegaram a ser barbaramente perseguidos. Por essas e por outras, com apenas dois anos emigrou para Buenos Aires com os pais que não se sentiam grandemente em casa em Paris. Tirou o curso de ilustrador mas a sua característica mais marcante foi sempre o arguto sentido de humor, inimitável e irrepetível. Passou uns anos nos Estados Unidos, chegou a ser chamado para servir durante a II Grande Guerra. Fez amizade com Morris – Maurice de Bevere, de nome autêntico – (o desenhador de Lucky Luke, o cowboy que disparava mais rápido do que a própria sombra) e deu asas às suas piadas curtas e secas nas tiradas dos irmãos Dalton e, sobretudo, de Jolly Jumper, o cavalo que pescava e jogava xadrez. 1951 é o ano mágico que coloca frente a frente Goscinny com Albert Uderzo. Goscinny regressara a Paris e dirigia a secção francesa da World Press. Albert, natural do Marne, também era filho de emigrantes, neste caso italianos. A amizade entre ambos foi imediata e a fogueira da imaginação começou a arder e a flamejar de forma tão brilhante que, em breve, personagens como Oumpah-pah, O Pele-Vermelha, Jehan Pistolet e Luc Junior passaram a entusiasmar os jovens leitores franceses. Jovens e não tão jovens, já agora. Infelizmente, Goscinny deixou-se imolar pelo excesso de trabalho. Hoje em dia chamar-lhe-iam workaholic. Em 1977 chamaram-lhe apenas um grande artista morto. Com Uderzo tinha criado um monstro que não estava destinado a desaparecer tal como Tintin desapareceu (mais ou menos) ao mesmo tempo que o seu criador, Hergé. Por uns tempos Uderzo andou com Astérix às costas, responsável pela ilustração e pelos textos, embora longe do brilho da palavra do seu grande amigo. Em setembro de 2010 resolveu aposentar-se e deixar que o pequeno gaulês fosse continuado por Jean-Yves Ferri e Didier Conrad. A pequena aldeia da Armórica, pejada de irredutíveis gauleses que impede, 50 anos Antes de Cristo, que toda a Gália esteja ocupada pelos exércitos de César, mudou irreversivelmente. A linguagem passou a ser, nos álbuns seguintes, mais apropriada à juventude dos nossos dias e as novas personagens também (A Filha de Vercingétorix serve como exemplo maior). Agora chegou a vez de Fabcaro e Didier Conrad. Astérix está proibido de morrer!