Foi com uma entrevista a Mário Tomé que lançámos o 31 da Armada. Estávamos a 25 de Novembro de 2006. E a entrevista era sobre o 25 de novembro. E tratámos de celebrar a efeméride todos os anos. Nada que incomodasse alguém. Nessa altura a data era muito mais consensual do que é hoje. Que raio aconteceu, entretanto?
Nesse tempo, Sócrates liderava um governo de maioria absoluta. O PS tinha vencido as eleições com os votos do centro moderado. E sabia disso. Francisco Louçã tinha duplicado a votação do Bloco, passando de 4 para 8 deputados. O PCP valia 14. Mas nenhum deles era relevante. E estávamos todos longe de levar a sério os partidos à esquerda dos socialistas. Eram ‘sobras’ do Muro de Berlim com quem era impensável qualquer tipo de acordo. Marginalizados. Literalmente à margem do bom funcionamento do sistema. Nesse tempo, democracia era democracia. Sem relativismos, sem diferentes tipos ou manifestações políticas. Havia democracia e tudo o resto eram regimes autocráticos. Mesmo quando tinham democrático no nome. Especialmente quando tinham democrático no nome. Nesse tempo, celebrar o 25 de Novembro era celebrar o maior dos triunfos políticos de Mário Soares. O tal do Bloco Central, da coligação com o CDS e dos acordos de regime. O que aconteceu, entretanto, é que esse PS desapareceu. Incompatibilizou-se com o centro parlamentar e tornou-se dependente da extrema-esquerda. Do seu eleitorado ou dos seus partidos. Dependente e refém. Refém nas propostas, no léxico e nas datas que celebra. De marginalizados passaram a figuras respeitáveis do regime. Aceites, ouvidos e reconhecidos. Nunca imaginaram estar à mesa do poder a discutir a lei de bases da saúde ou o orçamento de estado. E aconteceu. E pode voltar a acontecer. Quando alguém quiser fazer a história do legado político de António Costa terá que, em rigor, dizer isso mesmo. Isto foi o que aconteceu. Mas não ajuda a explicar por que razão o 25 de Novembro é uma data tão incomoda que alguns preferem esquecê-la. Afinal, todos os movimentos revolucionários celebram intentonas falhadas como demonstração de perseverança e crença progressista. O 25 de Novembro não é um espinho por causa do triunfo das forças «sociais-democratas» com o apoio dos «reacionários radicais e fascistas», utilizando as palavras do PCP. Claro que não. O 25 de Novembro é um espinho por que lembra o dia em que Otelo Saraiva de Carvalho preferiu ir almoçar a casa dos pais que garantir o «triunfo de abril». Lembra o dia em que o Partido Comunista Português preferiu não sair à rua e permitiu o triunfo da revolução burguesa para não ser ilegalizado. Lembra as dezenas de progressistas que, ao contrário deles, tiveram a coragem de defender os ideais em que acreditavam. Lembra que Otelo, o PCP e muitos outros, atraiçoaram a revolução e os revolucionários. Lembra os detidos do 25 de novembro acusados de traição quando foram eles próprios os traídos.
O PCP tentou justificar-se várias vezes. Quase sempre da mesma forma. Apontando o dedo a uma estranha aliança oculta entre estranhas forças: «A direcção do PS, forças de direita, reaccionários radicais e fascistas, Grupo dos Nove e por sectores esquerdistas agrupados em torno de Otelo Saraiva de Carvalho. Tudo isto com o apoio e o envolvimento activo de potências europeias, dos EUA e da NATO». Estas palavras, oficiais, são de 25 Novembro de 2015. António Costa tomaria posse como primeiro-ministro, e com o apoio do mesmo PCP, no dia seguinte. Não fez estrago. A rosa já estava sem espinhos.