25 de Novembro: o dia do triunfo da Democracia

25 de Novembro de 1975 é o dia em que a ditadura comunista cedeu definitivamente perante a Democracia. 48 anos depois, o Nascer do SOL recupera as capas dos jornais da época, do Diário de Lisboa ao Tempo.

O jornalismo tem-se transformado ao longo das décadas. Mas é sempre especial pegar num jornal antigo, pensar de onde veio, por quantas mãos passou, quem o escreveu, quem o leu. Mais especial ainda é, ao folhear várias publicações da época, perceber quais os temas da ordem do dia e de que forma eram noticiados. Passaram 48 anos desde a movimentação militar conduzida por parte das Forças Armadas Portuguesas, cujo resultado levou ao fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e a um processo de estabilização da democracia representativa no país. Estamos na Hemeroteca Municipal de Lisboa. A sala está quase vazia. Em cima da mesa, oito grandes livros com as capas de jornais e forros já gastos pelo tempo. Ao abri-los, a sensação é a de que temos uma relíquia nas mãos. As folhas de papel estão ainda mais castanhas do que eram, umas já dobradas, algumas rasgadas, outras intactas. Sobre o dia 25 de Novembro de 1975, o que escreviam?_Como se posicionavam?

Diário de Lisboa

Na Hemeroteca Municipal de Lisboa, só encontramos a edição de 25 de Novembro de 1975 de o Diário de Lisboa. Nesse dia, o jornal destacava na capa a imposição da demissão de Morais da Silva. Com o título “‘Páras’ progressistas controlam a força aérea”, lê-se que os pára-quedistas oficiais, sargentos e soldados progressistas da Força Aérea emitiram um comunicado em que anunciam a decisão tomada de ocuparem as unidades da Força Aérea, demitirem o chefe de Estado-Maior da Força Aérea, general Morais e Silva, demitirem o comandante da 1ª Região Aérea, general Pinheiro Freire, demitirem dois dos conselheiros da Revolução, majores Costa Neves e Canto e Castro, colocarem-se ao lado da Revolução Socialista. Nessa altura, os militares progressistas já haviam ocupado o Estado-Maior da F.A, o Comando da Região Aérea nº1 e as bases do Montijo, Tancos e Monte Real. Além disso, a capa faz destaque para a Guerra Civil; para as greves industriais que aconteciam de Viana do Castelo a Albufeira e ainda “A Ofensiva em Três Frentes”, falando sobre a situação político-militar em Angola, que, à época, continuava a sofrer “profundas alterações desencadeadas com uma grande ofensiva das forças populares ao longo de três frentes”.

A Capital

Tal como acontece no arquivo disponível do Diário de Lisboa, também no do vespertino A Capital (nas bancas ao início da tarde), apenas se encontra disponível a edição de 25 de Novembro. Nesse dia, A Capital destacava as Movimentações Militares em Lisboa. “Forças do COPCON reagem a nomeação de Vasco Lourenço, destacado elemento do chamado ‘Grupo dos Nove’ para cargo de comandante da Região Militar de Lisboa, em substituição do general Otelo Saraiva de Carvalho”. Na mesma notícia, o jornal anunciava que as tropas pára-quedistas passaram a controlar todas as unidades de Força Aérea da região de Lisboa, que as emissoras de rádio e da RTP estavam ocupadas pelas forças militares e que o Presidente da República se encontrava reunido em Belém com o chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Morais da Silva, com os comandantes das Regiões Militares do Sul e Centro, capitães Sousa e Castro e Vasco Lourenço, membros do Conselho da Revolução e ainda o coronel Jaime Neves. O motivo da reunião não havia sido revelado. No entanto, segundo o jornal, o encontro deveria prender-se com a contestação por parte das forças militares relativamente à nomeação de Vasco Lourenço para comandante da R.M.L. O mesmo tema ocupa as páginas seguintes, parecendo que as informações se repetem em textos com títulos diferentes: “Pára-quedistas ocupam unidades da Força Aérea”; “Chefes militares reúnem de emergência em Belém”; “C.R. confirma Vasco Lourenço como comandante militar de Lisboa”, “Primeiro-ministro mantém atividade normal”. Na lateral da página onde se encontram esses últimos dois títulos saltam à vista sete imagens de Pinheiro de Azevedo, Carlos Fabião, Morais da Silva, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Otelo e Rosa Coutinho. Todos eles dentro do carro e com frases a acompanhar o nome de cada um. “Pinheiro de Azevedo: governar ou não, eis a questão”; “Carlos Fabião: Vasco e Otelo ou Otelo e Vasco?”; “Morais da Silva: ‘voar’ sem pára-quedas” ; “Melo Antunes: firme entre os extremos?”, “Vasco Lourenço: saltará a fogueira?”; “Otelo: menos um cargo, mais responsabilidade?” e ainda “Rosa Coutinho: tempo para lutar e tempo para sorrir”.

Tempo

Já o semanário Tempo, nessa mesma altura, escreve sobre o tema na edição que vai de 27 de Novembro a 1 de Dezembro. O jornal abre com o editorial “Pela democracia e pela liberdade”. Escrito por Nuno Rocha, o texto deixa bem clara qual a posição do relativamente à situação do país, contrariando a imparcialidade que se pedia no jornalismo. “Os trabalhadores do Tempo declaram que são revolucionários porque são pela Verdade, pela Democracia e pela Liberdade”: “Jamais nestas colunas se seguiu outro camino”. E acrescenta que todo o trabalho realizado pela mesma publicação sempre se manteve fiel a esses lemas. Em baixo, também em letras ‘gordas?, lê-se: “A queda das ‘águias’”. Um texto parcial que dá conta do número de mortos das últimas 48 horas: “Portugal tem vivido momentos trágicos nas últimas quarenta e oito horas. Pára-quedistas revoltados, com o apoio de algumas unidades militares pseudo-progressistas e de movimentos políticos que nada mais desejam do que o caos e a desordem, iam provocando a guerra civil no país, após terem ocupado, na madrugada de terça-feira, o comando da 1º Região Aérea e as bases aéreas de Tancos, da Ota, do Montijo, e de Monte Real, ficando o general Pinho Freire, detido pelos militares”.

A capa destaca ainda figuras políticas do PS e do PPD (PSD) em mesa redonda e uma série de entrevistas a nomes como Salgado Zenha, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, General Pinho Freire, Capitão Salgueiro Maia e o Major Diniz de Almeida, sobre o golpe de 25 de Novembro.

Ao folhear o Tempo – claro que nessa altura todos os jornais eram mergulhados em campanhas publicitárias de todos os tipos –, somos surpreendidos pelo ‘montão’ de páginas de publicidade, desde relógios, vinhos, calculadoras, páginas amarelas, carros, batas escolares, tapetes de arraiolos, aquecedores, secadores de cabelo, cofres, livros juvenis, jogos de tabuleiro, cruzeiros, máquinas de lavar loiça, casacos de cabedal, champôs, filmes eróticos, casinos, astrólogos e aparelhos de ginástica. “Faça-se um Homem”, lê-se em letras grandes e a negrito que legendam a imagem de um homem tanga a exibir os seus músculos (coisa que hoje em dia com certeza não seria bem entendida por muitos).

Jornal de Notícias

O Jornal de Notícias, em 1975, era em broadsheet (gigante). O seu tamanho e o encarnado que distingue a edição do dia 25 de Novembro parecia adivinhar o que aí vinha. As letras grandes dos títulos e subtítulos contrastam com as letras pequeninas dos destaques das notícias. “Novo comandante da RML é uma solução para a crise”; “Otelo vai retirar-se da cena política? Costa Gomes recebeu Cunhal”; «Rio Maior isola a Capital por estrada e via férrea”; “Comandos não aceitam comando de Otelo”. Tal como os outros jornais, as páginas são sobretudo ocupadas por temas políticos e publicidade. No entanto, é possível encontrar algumas notícias que, hoje em dia, parecem ter deixado de aparecer. Listas de carros roubados, alerta de mudança de horário de padarias, suicídios. Além disso, nesta edição, o Jornal de Notícias dá também a conhecer novos sinais do código da estrada: corredores para transportes coletivos e de táxis. “No início das artérias, marcas amarelas vão passar a indicar o tipo de circulação na via e o modo como a mesma será efetuada”, lê-se na legenda da gravura que exemplifica as alterações.

Já na edição de 26 de Novembro, desta vez a verde, o Jornal de Notícias destaca que Costa Gomes falou ao país através do telemóvel, decretando o estado de sítio parcial, ficando assim restringidos os direitos de liberdade de reunião, de manifestação e de expressão. “Abrangidos por esta determinação, os jornais da capital não se publicam hoje. Entretanto, e complementarmente foi imposto o recolher obrigatório, na mesma área, entre as 0 e as 5 horas”. Outros dos títulos em destaque são: “Unidades do Norte de prevenção rigorosa”, “Bancos encerrados em todo o país”, “Exigida a revisão imediata da Reforma Agrária”. As duas páginas seguintes estão ocupadas com vários textos, quase todos eles sobre os pára-quedistas. Como notícias mais insólitas, apontam-se a retirada de privilégio na compra do açúcar, com Portugal a seguir as práticas comerciais utilizadas mundialmente; um petardo contra uma vivenda na praia; presos por furto de furgoneta; o aumento do preço do café à chávena e a notícia do assalto a uma agência da Caixa Geral de Depósitos.

No mesmo dia, o Jornal de Notícias teve ainda uma edição especial, mais pequena, chamada “Espírito do 25 de Abril no 25 de Novembro”.  Aqui, destaca-se o anúncio da rendição doRALIS ao Capitão Salgueiro Maia, as declarações do capitão Várzea com os “páras” de Tancos dispostos a resistir e uma entrevista de José Saraiva a Franco Charais, do Conselho da Eevolução.

O Século e A Luta

No arquivo do jornal O Século também só existe a edição de 25 de Novembro. Desta, passa-se imediatamente para a de 29 de Dezembro.  A capa de dia 25 destaca, tal como as outras, os “parás” contra repressão do povo, a reunião do Conselho da Revolução e a movimentação reacionária de tipo insurrecional. Além disso, o jornal noticia as bombas em Chaves e Viseu. Duas cargas de plástico deflagraram em Chaves, atingindo o retransmissor da Emissora Nacional e a central técnica e a casa da cerâmica que ficou quase completamente destruída, correndo os 150 trabalhadores o risco de ficarem sem emprego. “A destruição desta fábrica é mais um ato a juntar a tantos outros perpetrados por indivíduos que, a todo o preço, pretendem fazer retornar este país a um regime de ditadura fascista”, escreve a mesma publicação. O Século escreve ainda que Spínola esteve em Toronto, apesar dos protestos. O ex-Presidente da República afirmou, nessa altura, que libertaria a Pátria do que descreveu como um regime “marxista-leninista”. Em conferência de Imprensa, António de Spínola declarou que o Governo português estava a criar a anarquia e o caos, que poderiam ter como consequência uma revolta armada. Durante o seu discurso, cerca de 200 manifestantes desfilaram como protesto fora do auditório.

Ao contrário dos anteriores, que parecem querer ocupar todos os espaços da folha de papel mesmo que a informação fique confusa, o jornal A Luta parece mais sóbrio e organizado. Tal como nos outros, a capa destaca os pára-quedistas que controlam as bases da Força Aérea e a CR que confirmou a nomeação de Vasco Lourenço. Além disso, o jornal tem uma entrevista exclusiva de Almeida Santos, que, segundo o destaque da capa, acredita que “o Governo governará se as FA abandonarem a política partidária”. No recheio do jornal, saltam à vista algumas notícias sobre o desagrado dos professores no que toca às colocações de docentes dos ensinos secundário e preparatório: “Candidatos a professores eventuais repudiam o novo critério de colocações” e “Não há acordo com o MEIC diz o sindicato dos profesores”.

O Jornal

Seguimos para o semanário O Jornal, o mais pequeno em dimensão. Esta é uma edição que vai de 21 a 27 de Novembro. Em grande destaque estão as caras de Vasco Lourenço e Otelo, que, pelo título, dizem o que pensam um do outro. Na lateral, dentro de uma caixa ao alto, encontra-se Pinheiro de Azevedo. “A crise da semana: Governo de braços caídos”, lê-se no título que acompanha a fotografia. Ao folhear o jornal, ainda no princípio, uma página é dedicada aos “quatro malditos” do VI Governo: Tomás Rosa (ministro do trabalho), Ferreira da Cunha (secretário de Estado da Comunicação Social), Almeida Santos (ministro da Comunicação Social) e Marcelo Curto (secretário de Estado do Trabalho). Segundo o texto de abertura, que antecede os quatro “perfis”, estes são apelidados de “malditos” já que sobre eles “recaiam as críticas mais violentas das forças situadas mais à esquerda da conjuntura revolucionária portuguesa”. Nesta edição de O Jornal, escondida já quase no meio da publicação, uma notícia sobre o confronto televisivo entre Soares e Cunhal. “Soares bate Cunhal aos pontos”, lê-se no título. “Soares ganhou no confronto televisivo com Cunhal, pode concluir-se do balanço das 701 reações registadas pelo Serviço de Relações com o público da RTP”: 18 protestos contra afirmações de Mário Soares; 40 contra afirmações de Álvaro Cunhal;  132 apoios às palavras de Soares; 67 apoios às palavras de Cunhal; 77 agrados pelo programa; 117 desagrados pelo programa. Além disso, 225 espetadores pretenderam pôr perguntas aos dois secretários-gerais e foram ainda recebidas 25 chamadas de espetadores com sugestões sobre o programa.

Além disso, no plano internacional, O Jornal dá conta da morte de Franco, “o último ditador da Europa”, que morreu no poder. “Resta aos espanhóis a esperança de que a morte física de Francisco Franco venha a abrir os caminhos de um futuro com menos sujeições”, lê-se. O obituário, escrito por Javier López, não esconde felicidade pela perda.

No plano cultural, Joaquim Letria entrevista Beatriz Costa. E existe ainda espaço para uma coluna de considerações sobre culinária aquática e o restaurante Rei da Pescada, um estabelecimento “despretensioso” da Avenida Duque de Ávila.

O Comércio do Porto

No que toca a O Comércio do Porto, com o tamanho de um mupi, este destaca o Estado de Sítio na Capital com recolher obrigatório até às 24h. “Costa Gomes Domina a situação militar. O povo derrotou os insurrectos”, lê-se em letras grandes. No entanto, ao abrir o jornal, as notícias espalhadas pela grande folha são relativas aos mais variados temas: desvio de uma carteira; assaltos em firmas e farmácias; estragos em prédios e automóveis; ataques com petardos; pedidos para as forças russas retirarem da Checoslováquia; Portugal entre os países que pretendem que a ONU recrute mais mulheres; perseguição sistémica as cristãos soviéticos e o agravamento o conflito da pesca do bacalhau na Islândia. Na edição do dia seguinte, a vermelho, lê-se: “Completamente desmontado o Golpe de 25 de Novembro”. Bem abaixo: “Três baixas (dois comandos e um da PM) no confronto com a PM”. Nesta edição de dia 27 de novembro,  O Comércio do Porto, contou com declarações de Melo Antunes, que afirmou estarem instauradas as condições para que o MFA readquira o seu prestigio e direção política; Pires Veloso, que mostrou todo o seu apreço e reconhecimento a todos os seus soldados, sargentos e oficiais, e ainda Morais da Silva, que garantiu que a operação dos pára-quedistas não era um ato isolado. A capa faz ainda destaque para 36 oficiais e sargentos que deram entrada em Custóias, com Dinis de Almeida e Faria Paulino entre os detidos. l