‘Nómada digital’ é uma expressão à qual nos habituámos, mas será que conhecemos o seu verdadeiro significado? Para Diogo Reffóios Cunha, que registou o domínio nomadadigital.pt há cinco anos, a mesma não poderia ser mais familiar. “Fui para o Sudeste Asiático durante uns meses. Na altura, era chamado de freelancer, trabalhava com clientes em Portugal, mas não soube trabalhar remotamente e perdi os clientes todos nessa minha viagem por falta de cultura de trabalho remoto. Na altura, exigiam sempre alguma presença física nos escritórios. Nessa altura, quando se pesquisava por ‘nómada digital’ no Google, apareciam imagens de computadores à beira mar. E então havia esta ideia de que tu podias trabalhar à beira mar e nas esplanadas das praias. Mas esse é capaz de ser um dos maiores mitos do nómada digital. Porque se tu fores com um computador para uma esplanada, o sol não te vai deixar ver o ecrã, pois vai ser quase impossível trabalhar. Vai ser muito complicado, vai. Portanto, era assim este mito cliché”, explica.
“Os anos passaram e o nómada digital passou a ser um solo entrepreneur, alguém que procura formas de fazer dinheiro ou vender coisas, ou apresentar serviços. Houve um êxodo de muita gente, maioritariamente, e eu diria que este movimento dá-se pelos americanos que, aqui há uns anos, se movimentaram, saíram das geografias com custo de vida elevado. Estando eles a trabalhar 100% no computador, olharam para outras geografias com qualidade de vida muito superior, com preços que para eles são muito mais baratos. Então há aquele espírito de há poucos anos, antes de pandemia: as comunidades nómadas migraram que nem umas boas aves para a Indonésia, para Bali, em que Bali torna-se uma uma ilha de nómadas digitais, ou seja, de pessoas que trabalham remotamente em timezones diferente de Bali, mas que vivem e consomem naquela região. No paraíso, não é?”, continua.
Em Portugal, também houve a popularização dos nómadas digitais devido ao aumento do teletrabalho durante a pandemia. Em resposta a essa tendência, o país introduziu um novo visto para nómadas digitais em outubro de 2022. Como Diogo Reffóios Cunha explicou, os nómadas digitais são profissionais que podem trabalhar remotamente, apenas necessitando de um computador e um smartphone (e pouco mais). Durante a pandemia, o teletrabalho tornou-se uma opção privilegiada para muitas empresas, impulsionando este movimento.
O novo visto, criado em outubro de 2022, permite uma autorização de residência de um ano, renovável até cinco anos consecutivos. Os requisitos incluem prova de trabalho remoto a partir de Portugal, seja como trabalhador por conta própria ou empregado por uma empresa fora do país.
A remuneração mínima exigida para obter o visto é equivalente a quatro salários mínimos mensais portugueses, atualmente cerca de 3.040 euros. Isso representa um aumento em comparação com o regime D7, que exigia apenas o equivalente a um salário mínimo português por mês.
Antes do novo visto, os nómadas digitais geralmente recorriam ao visto D7, destinado a estrangeiros com rendimentos passivos estáveis. No entanto, o D7 não era específico para trabalhadores remotos, levando à necessidade de criar um visto dedicado a essa comunidade em particular. A iniciativa visa facilitar a permanência legal de trabalhadores estrangeiros que escolhem Portugal para viver e trabalhar remotamente para entidades fora do país.
“Enquanto nómada digital, se eu quiser criar um design, posso recorrer à inteligência artificial para gerar um design que eu tenha imaginado. E se eu quiser escrever uma carta, uma newsletter ou o que quer que seja, posso pedir apoio à inteligência artificial. Isso faz com que eu cada vez mais dependa menos de outros colegas para realizar as minhas tarefas. De uma forma mais produtiva e acelerada. O que me ajuda a reduzir horas de trabalho ao computador. O que tu fazias numa manhã, podes fazê-lo em 20 minutos. E até tiraste a manhã toda para fazer aquilo. O que fazes no resto do tempo depende de ti: se quiseres estar sentada ao computador ou se queres ir dar uma volta e fazer o que te apetecer e que te dá mais gozo”, sublinha Diogo Reffóios Cunha.
Trabalhar menos horas “Eu acredito que a tecnologia do trabalho existe para que nós possamos trabalhar cada vez menos horas. E gerar os mesmos resultados. A inteligência artificial, de certo modo ajuda nisso, mesmo porque há muitas tarefas que eu já não tenho que executar. A IA ajuda-me a reduzir horas de trabalho ao computador”, diz, alinhando-se com Inês Pote. “Ser nómada digital é ter a liberdade de trabalhar remotamente, e em locais e ambientes escolhidos por nós, em qualquer parte do mundo. Esta liberdade permite-nos ter um leque de oportunidades único e de conhecer e viajar pelo mundo todo”, conta a jovem, adicionando: “Eu tirei o curso profissional de técnica de audiovisuais, e foi na altura que tirei o curso que começou o meu fascínio pelos nómadas digitais. Por esse motivo, comecei a pesquisar mais sobre o que é ser um nómada digital, e percebi que um nómada digital tem muito mais qualidade de vida. O facto de podermos estar em qualquer lado, desde que tenha internet, dá-nos uma flexibilidade que num trabalho de ‘escritório’ por exemplo não se tem”.
Os perigos do desemprego “O maior desafio é a incerteza do futuro, e o facto de podermos ser substituídos pela inteligência artificial. O avanço da IA já está, atualmente, a retirar muitos empregos, e isso é assustador! Além disso, outros desafios associados a nómadas digitais são os acessos à internet, que nem sempre é possível, o choque com outras culturas e barreiras linguísticas, quando viajamos para fora do país, e a rotina, ou seja, o facto de termos uma flexibilidade de horários por vezes pode-nos levar a ‘procrastinar’ e por isso é necessário criar disciplina e implementar uma rotina”. “O maior ponto positivo é a qualidade de vida que um nómada digital tem, a flexibilidade de horários, a oportunidade de conhecer novas culturas e viajar pelo mundo, e podermos fazer aquilo que gostamos e pelo qual somos apaixonados”.
“Penso que as pessoas da minha geração, e tenho 21, cada vez mais procuram este tipo de profissão, pela flexibilidade de horários e pela qualidade de vida. As pessoas ficam mais felizes se estiverem num local escolhido por elas e a fazerem o que gostam. Por esse motivo, ser nómada digital é uma das profissões que trouxe o prazer associado ao trabalho”.
Lisboa conquistou a medalha de prata no ranking mundial dos melhores lugares para nómadas digitais, segundo a Nomadlist. A cidade destaca-se pelo elevado nível de conhecimento de inglês da população, segurança, ambiente acolhedor para a comunidade LGBTQIA+, facilidade de locomoção a pé e diversas opções de locais para (tele)trabalho. No entanto, o custo de vida é considerado elevado.
A Madeira também se destaca no cenário internacional, ocupando a quarta posição no ranking global, com uma pontuação de 3,82 em 5. A ilha apresenta semelhanças com Lisboa em termos de segurança, rede elétrica e amigabilidade LGBTQIA+, além de obter uma alta pontuação em liberdade de expressão e wi-fi gratuito. O custo de vida na Madeira é considerado acessível.
O Porto completa o pódio nacional, classificando-se em 16º lugar globalmente, com uma pontuação de 3,56 em 5. Os nómadas digitais apreciam hospitais, rede elétrica, segurança, facilidade para caminhar, diversidade LGBTQIA+ e opções para trabalhar remotamente. No entanto, o nível de educação é considerado medíocre, e o custo de vida é considerado caro.
Outros destinos de praia em Portugal também são reconhecidos, incluindo Lagos (29º), Portimão (33º) e Ericeira (37º). Lagos destaca-se pela segurança, internet, liberdade de expressão e amigabilidade LGBTQIA+. Portimão, apesar da qualidade do ar, é prejudicado pela falta de wi-fi gratuito. Ericeira recebe elogios por diversos fatores, incluindo segurança, diversão e conhecimento de inglês.
Além desses destinos, Peniche, Açores e Braga também aparecem entre os 200 primeiros lugares da Nomadlist.