Há quem ainda pense que, quando falamos de Inteligência Artificial (IA), nos referimos apenas a coisas hiper complexas, como a conhecida Sophia, o robô humanoide desenvolvido pela empresa Hanson Robotics, de Hong Kong, capaz de reproduzir 62 expressões faciais. Sophia foi projetada para aprender, adaptar-se ao comportamento humano e trabalhar com seres humanos e, em outubro de 2017, tornou-se o primeiro robô a receber a cidadania de um país. Outros, associam-na apenas ao ChatGPT, um protótipo de inteligência artificial que chamou a atenção, em 2022, pelas suas respostas detalhadas e articuladas e que já é utilizado em diversas áreas. No entanto, a IA vai muito para além disso e já se encontra presente em quase tudo no nosso dia-a-dia, principalmente no dos mais jovens. “Utilizas a IA quando usas um assistente de voz para ouvir música, quando usas a câmara fotográfica do telemóvel em modo de retrato e ela define os parâmetros adequados, quando segues as recomendações musicais feitas por algoritmos que identificam as tendências dos consumidores, quando utilizas otimizadores de rotas que indicam o melhor caminho para chegares ao teu destino, quando os filtros classificam automaticamente as mensagens de spam no teu correio eletrónico, entre muitas outras situações”, lê-se na página da União Europeia. Além disso, a IA oferece outras possibilidades, como “a criação de assistentes virtuais para ajudar as pessoas em várias tarefas”. “A IA também é utilizada no marketing, o que suscita preocupações éticas, por exemplo quando os algoritmos se destinam a influenciar as tuas escolhas políticas, como alegadamente foi feito pela Cambridge Analytica nas eleições americanas e na votação que deu origem ao Brexit”, acrescenta a mesma entidade.
Legislação necessária
“Acho que como uma larga fatia da população, uso IA todos os dias, principalmente de formas subentendidas”, começa por afirmar ao i David Almeida, de 25 anos. O seu feed das redes sociais, os resultados do seu motor de pesquisa, as recomendações de música do seu serviço de streaming, “são apenas alguns exemplos de como a IA está integrada no quotidiano”, continua o Assistente de Projetos na Transparência Internacional Portugal. “Por vezes é difícil lembrar uma internet sem uso de algoritmos de recomendação ou perfis personalizados. No entanto, essa foi a realidade durante muito tempo e certamente conseguiria adaptar-me novamente a formas diferentes de selecionar conteúdo online que não implique a coleção massiva de dados”, acredita. Para si, a IA é uma tecnologia de aplicação “transversal”, por isso os seus perigos são “diversos” e “diferentes nas áreas em que é utilizada”. “Os desafios inerentes a estas tecnologias, como as questões da privacidade, propriedade e enviesamento de dados, ou a opacidade dos modelos e algoritmos de tomada de decisão, acabam a exacerbar desigualdades sociais ou a produzir novas assimetrias”, explica. “No domínio digital, aquele onde mais imediatamente identificamos o uso da IA, esta acaba por ser uma ferramenta que condiciona e/ou determina o tipo de informação e conteúdo digital a que os jovens são expostos nos seus feeds, moldando assim até certo ponto as suas mundividências”, continua o jovem.
Mais do que isso, argumenta David Almeida, no mundo onde as gerações jovens se tornarão adultas, as aplicações da IA estarão “profundamente disseminadas em todas as áreas de atividade humana”, como já se verifica em vários setores (por exemplo, no acesso ao crédito bancário, na avaliação automática de candidaturas a emprego, na identificação automática de caras por videovigilância, etc.). “Se os aspetos pouco transparentes da IA não forem devidamente controlados, irão inevitavelmente perpetuar injustiças”, alerta, apontando para a importância de legislação que regule e imponha limites no seu uso, visto que “os principais impulsionadores e controladores destas tecnologias são grandes corporações internacionais que visam o lucro sem grande aposta nas preocupações éticas”. “Na população geral, mas também na classe política, há falta de literacia digital, que para ser desenvolvida, requer a participação da juventude no desenho destas políticas públicas, porque são os jovens que crescem e passam a conhecer aprofundadamente o funcionamento das novas tecnologias”, sublinha ainda.
Desligar das tecnologias e olhar pela janela
Filipe Duarte tem 26 anos e descreve-se como um amante de videojogos, música e tecnologia em geral. “A presença de IA na minha vida é uma constante muito importante, não só para os meus hobbies como por questões de trabalho. Ao trabalhar num supermercado, grande parte do sistema funciona com uma programação de IA que facilita muito o trabalho”, explica ao i. Na sua vida pessoal, o jovem utiliza desde aplicações de música, aplicações para acender e apagar luzes e comandos de voz para as mais variadas coisas. “Se passava bem sem? Claro que sim, apesar da grande ligação às novas tecnologias, considero-me um jovem algo eclético”, acredita. Por influência de familiares, é um colecionador e um grande adepto do formato físico e de coisas mais analógicas, como colecionar CD’S, e preferir ouvi-los do que aceder a uma aplicação. O mesmo se passa com os videojogos. “Apesar da era digital neste ramo ser bastante mais recente que a da música, o formato físico ou mais analógico continua a ser algo que me atrai muito mais que o digital. O que mais mudei com este modo artificial é sem dúvida o consumo, ou seja, ele está tão bem desenhado que me leva a comprar mais coisas do que aquilo que preciso nas mais variadas áreas”, admite, acrescentando que “é algo bastante perigoso para muitas pessoas que não tenham atenção a gastos”. “As aplicações, sites, etc, estão ligados a uma base de dados e sabem o que nos vai faltar em casa antes de faltar”, brinca com um tom sério. “Já nada do que se diga está fora de uma base de dados que é meticulosamente tratada por um programa de IA, e isso deixa algum receio a nível de privacidade e de como serão tratados todo o tipo de informações nos mais variados assuntos”, frisa ainda Filipe Duarte que acredita que as pessoas precisam de voltar a viver mais sem estas ferramentas. “Sendo eu um jovem, acho que temos de parar de procurar experiências de outras pessoas, perguntar ao Google ou à Siri como está o tempo hoje, e abrir a janela”, defende.
Evolução dos jogos
“O mundo dos jogos passou por uma transformação revolucionária com o aparecimento da IA”, afirma, por sua vez, Luís Ribeiro, de 21 anos. Segundo o estudante de engenharia informática, antes, os jogos eram limitados pela programação tradicional. Recentemente, evoluíram “para proporcionar novas experiências interativas e dinâmicas”, oferecendo aos jogadores “um nível de realismo e complexidade nunca antes visto”. “A introdução da IA neste campo trouxe consigo uma série de mudanças significativas”, conta. Em primeiro lugar, os personagens não-jogáveis (NPCs) tornaram-se mais autênticos e realistas. “Agora, eles não seguem padrões pré-programados, mas respondem às ações dos jogadores de maneira inteligente. Essa capacidade de aprendizagem e adaptação proporciona uma experiência de jogo mais desafiadora e imersiva”, começa por apontar. Além disso, continua, a IA tem desempenhado um papel crucial na “criação de histórias mais ricas e envolventes”. “Os enredos dos jogos agora podem se ramificar e evoluir com base nas escolhas dos jogadores, criando narrativas personalizadas como é o exemplo do jogo ‘Detroit: Become Human’”, exemplifica. Segundo o estudante de engenharia informática, a Inteligência Artificial é capaz de analisar as decisões feitas pelos jogadores e ajustar o desenvolvimento da história, proporcionando uma sensação única de envolvimento e impacto nas escolhas feitas.
No campo dos gráficos e da física, a IA também teve um papel fundamental. “Os algoritmos de aprendizagem de máquina (machine learning) possibilitam gráficos mais realistas e ambientes virtuais mais detalhados. A física do jogo tornou-se mais complexa, respondendo de forma mais precisa às interações dos jogadores. Isso resulta em experiências visuais e sensoriais mais imersivas, aproximando-se cada vez mais da realidade”, explica ainda, acrescentando que os jogos multiplayer online também beneficiaram enormemente da IA. “Sistemas de matchmaking baseados em IA são capazes de equilibrar as habilidades dos jogadores, fazendo assim com que estes joguem contra pessoas do mesmo nível. Além disso, a IA é frequentemente utilizada para detetar e prevenir comportamentos ilegais ou trapaças durante o jogo, mantendo assim a integridade e o bom ambiente no mesmo”, sublinha. De acordo com Luís Ribeiro, caso esta tecnologia não tivesse sido inventada, o mundo dos jogos teria “estagnado”, o que possivelmente iria causar “uma queda gigantesca na aderência aos videojogos”. Se não existisse IA nos jogos hoje em dia, o jovem garante que não continuaria a jogá-los pela falta de diversidade, realismo, interatividade e imersão.