“Ser mãe novinha faz-te crescer e amadurecer brutalmente”

Há quem tenha o sonho de ser mãe antes dos 30. Por outro lado, há quem com 23 seja surpreendida por uma gravidez já com 7 meses de gestação. Camila e Lara são ambas solteiras e consideram que foram mães “precoces”.

Ser mãe… Duas palavras que geram múltiplas sensações nas mulheres: felicidade, medo, angústia, ansiedade, euforia, insegurança, expectativa… No entanto, quando falamos de mães jovens é natural que os desafios possam parecer maiores. Antigamente, assim que uma mulher menstruava estava, aos olhos da família e da sociedade, preparada para essa realidade. Os tempos foram mudando e as gravidezes foram-se adiando. Porém, segundo os dados revelados em agosto pelo Jornal de Notícias, esta é uma tendência que tem vindo a alterar-se. O número de mães adolescentes aumentou pela primeira vez em três anos. De 2021 para 2022 aumentou 6,14%. No ano passado, 1591 jovens com 19 anos de idade ou menos foram mães, quando em 2021 tinham sido 1499. Um aumento superior à anterior subida registada: de 2018 para 2019. Antes disso, o valor tinha vindo a diminuir desde 2011. Além disso, segundo um estudo da Universidade de Lisboa sobre os jovens e a educação sexual, 10,5% nunca usaram preservativo e quase 24% usaram apenas algumas vezes. A pílula continua a ser o método contracetivo mais utilizado.

Sem opção de escolha

Camila Carvalho tem 24 anos e vive em Brescos (aldeia do concelho de Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal), com a mãe, irmão e o seu bebé. No ano passado, deparou-se com uma gravidez totalmente inesperada,  sem preparação e sem aviso. “Confesso que não me foi fácil assimilar”, revela ao i. A jovem administrativa, até há bem pouco tempo era completamente  desajeitada com crianças. “Embora gostasse imenso de conviver com crianças, não me sentia com o ‘instinto’ ou ‘jeito natural’, como muitos referem, para lidar com os mais pequenos”, admite. Mesmo quando pensava em ser mãe, o seu desejo era adotar e não “conceber”. “Adotar, a meu ver, é acolher, é poder oferecer amor incondicionalmente a um ser desamparado”, explica. Já na vida adulta, sempre que partilhava esta opinião, era criticada. Diziam-lhe: “Não é a mesma coisa, não veio de ti, não é sangue”. “Era algo que fazia o meu sangue ferver”, continua.

Durante a temporada em que trabalhou numa empresa de produção de pescado, de 2020 a 2021, apaixonou-se por um rapaz que chegou de Lisboa para trabalhar no mesmo sítio. O que não estava à espera é que dessa “breve”, mas “intensa” relação nascesse um filho. “Como foi uma gravidez silenciosa, como lhe chamaram, pois apenas deu sinais aos 7 meses de gestação, a opção de interromper estava completamente fora de questão. Depois de muitos exames e muitos testes, descobri que era um rapaz, que estava saudável e que estava magrinho”, partilha Camila. Nesta altura, a jovem tinha saído do mundo do trabalho há 1 mês e o seu dia-a-dia, antes disso, era em cargas pesadas, pois estava num armazém. Interrogada sobre aquilo que sentiu quando o soube, a jovem administrativa admite que, primeiro, sentiu medo, muito receio e até um pouco de pânico. “É uma sensação parecida a ficar sem chão, a ver a vida a andar para trás sem travão. Foi sentir que estava sozinha a lidar com a situação, embora não o estivesse”, lembra. O seu primeiro pensamento – de que ao olhar para trás se arrepende – foi dá-lo para adoção. No meio do pânico e do medo, duvidou do que era capaz e tinha a certeza absoluta que o “esperma” da criança (é assim que o chama desde então) não iria querer ter nada a ver com o bebé. “Havia cenas que ainda queria fazer, completar, havia sítios onde queria ir, sem ter de responder a ninguém. Havia aventuras que queria ter, riscos que queria correr e cresci numa família onde a mãe era a que fazia praticamente tudo e não tinha espaço para ela mesma, então moldou-se a aproveitar a vida sempre com dois pequenos seres colados a ela. Era a imagem que tinha de ser mãe: abdicar de tudo o que diz respeito a prazeres sozinha, com calma e em paz. Essa realidade assustou-me e acho que assustaria qualquer pessoa com 23 anos”, acredita. No entanto, decidiu andar para a frente com a gravidez.

Segundo Camila, a sua mãe “reagiu como qualquer mãe de uma rapariga com um emprego sozinha reagiria se esta engravidasse”: “muita felicidade, mas muitas dúvidas”. “A felicidade ganhou, a minha mãe sempre adorou crianças”, afirma. Já com o seu pai, a história foi diferente. A jovem teve mesmo de se afastar. “Quando alguém que não és tu reage pior do que tu  perante esta situação e depois tenta mudar a narrativa como se essa pessoa fosse a coitadinha, afasto-me, simplesmente”, justifica. “Não quer dizer que não seja boa pessoa, mas naquela altura caótica não houve apoio algum, nem curiosidade perante a criança, e assim ficámos. Hoje a realidade é diferente”, revela.

Interrogada sobre o papel atual do pai na vida do seu filho, Camila sublinha que não o quer chamar assim. “O ‘esperma’ não tem qualquer papel na minha ou na vida do meu filho. Existem questões legais que são regularizadas, porque o nosso país não admite falhas ao fisco de maneira nenhuma”, garante, acrescentando que a nível emocional, fazê-lo desaparecer da sua mente foi uma “batalha”. “Até à data de hoje, não há contacto comigo ou com o meu filho. No entanto, se porventura chegar o dia em que esse ser mostre interesse ou o meu filho, não o vou negar nem proibir de forma alguma, está dentro dos direitos enquanto ‘esperma’”, reforça.

Atualmente, a jovem acredita que ser mãe sem ter planeado “sem dúvida dá outra estaleca”. “Ser mãe cedo tem vantagens… Quando ele chegar aos 18 ainda estarei na idade fértil, por exemplo. Por outro lado, apresenta desvantagens, pois, no meu caso, fiquei com a sensação de que não vivi suficiente, não aproveitei a minha liberdade o suficiente. No entanto, hoje, com o dia a dia, apercebo-me que foi algo muito egoísta de se pensar. Ser mãe novinha faz-te crescer e amadurecer mais rápido, brutalmente até”, admite.

Um sonho

Ao contrário de Camila, Lara Lopes, do Litoral Alentejano, sempre quis ser mãe “novinha”. “O meu sonho sempre foi ser mãe e, desde que me lembro, que quis imenso ter o meu primeiro filho antes dos 30 anos”, conta ao i. Foi aos 21 anos que nasceu “o seu primeiro amor”. A jovem descobriu que estava grávida depois de ter um atraso de 4 dias na menstruação. “Estava a trabalhar e senti-me super mal disposta”, lembra. Os cheiros intensos começaram a deixá-la indisposta, o seu peito começou a inchar e as dores de cabeça eram intensas. “Foi aí que fiz um teste de urina no hospital de Santiago do Cacém e descobri que já estava grávida de 5 semanas”, afirma. Quando recebeu o resultado positivo ficou um pouco assustada e a primeira coisa que fez foi ligar para a sua mãe. “Passado umas horas já estava mais calma e aceitei tudo da melhor forma. Fiquei extremamente feliz”, revela. Tal como ela, a sua família aceitou bem a novidade. “Acho que foi isso que me ajudou”, acredita.

Lara é mãe solteira desde que ficou grávida. “Separei-me do pai do meu filho com 7 meses de gravidez. De momento, o Diego não tem muita ligação com o pai, todas as semanas ele liga para o ver, mas nada mais”, acrescenta. Lara acredita que ser mãe é um desafio enorme e claro que, às vezes, é difícil de gerir. No entanto, arranja sempre forma de “dar a volta por cima”. “Ter sido mãe com 21 anos e tendo passado por tanto na minha gravidez e no pós parto fez de mim a mulher que sou hoje”, garante, frisando que ter decidido seguir com a gravidez com uma idade “tão precoce” foi “a melhor coisa que poderia ter feito”. “A minha opinião é que um filho nunca será um problema, nunca será uma dificuldade e nunca será um erro. Quando nasce uma criança, nasce uma mãe e por consequência nasce a maior felicidade que alguma vez se poderia sentir”, sublinha a jovem.

Atenção redobrada

Apesar de atualmente e socialmente vermos gravidezes antes dos 25 como “precoces”, segundo a psiquiatra Elsa Rocha Fernandes, uma gravidez “precoce”, ou também designada de gravidez adolescente, pode ser considerada uma gravidez com idade inferior aos 20 anos de idade, habitualmente entre os 15 e os 19 anos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Do ponto de vista emocional, explica a especialista, a relação entre saúde mental e parentalidade adolescente é uma relação “complexa”, uma vez que se entrecruzam vários fatores que terão impacto no decurso da gravidez e após o parto: fatores como a comunidade e cultura em que estamos integrados, a situação económica e familiar, apoios sociais disponíveis, políticas de saúde e ainda fatores individuais, como a idade, género, conhecimentos, aptidões e atitudes perante a vida (como a resiliência).

“A par das mudanças próprias da fase de adolescência, estas mães veem-se a par com as exigências e responsabilidades associadas ao cuidado de um bebé; as preocupações relacionadas com o novo papel de mãe; as preocupações financeiras, numa fase em que muitas vezes a jovem não tem ainda emprego ou forma de se sustentar, bem como a desconexão que pode surgir em relação a amigos e pares; a preocupação com o seu futuro académico, estudos que muitas vezes precisa abandonar e preocupações com o apoio e presença do pai da criança, são alguns dos inúmeros fatores de stresse psicológico que as mães adolescentes podem enfrentar”, enumera a psiquiatra, que acrescenta que a par de todos estes fatores de stresse, existe ainda a predisposição ao surgimento de doença mental, no caso de adolescentes com antecedentes psiquiátricos e que pode aumentar o risco da existência de uma depressão no período do pós parto. Além disso, o apoio familiar, mais especificamente dos avós, afigura-se como central no suporte tão necessário à gestão de tantos desafios. “Para os avós, é importante reconhecer os inúmeros sentimentos que vão surgindo, sejam a deceção, a raiva ou o medo, mas que apesar deles possa aceitar a sua filha(o) adolescente prestes a ser mãe/pai e que assim possa apoiá-la (o) nesta fase tão delicada. Por outro lado, se sentir que precisa de ajuda para lidar com todos estes sentimentos sobre a situação é recomendável que procure um profissional de saúde mental”, frisa a especialista.

De acordo com Elsa Rocha Fernandes, a educação sexual junto dos jovens pode ajudar a prevenir gravidezes não desejadas e não planeadas, e a promoção de uma parentalidade positiva, com sessões informativas e educacionais, pode ser uma ajuda junto dos pais adolescentes sendo formas de garantir apoio aos pais, mas também de promover um futuro de maior sucesso para os seus filhos.