A presidente da Universidade da Pensilvânia demitiu-se depois da uma audição no Congresso sobre antissemitismo nas universidades, fenómeno que adquiriu visibilidade depois dos ataques do Hamas de 7 de outubro. Os acontecimentos recentes reavivaram o debate sobre a liberdade de expressão e a alegada dualidade de critérios em algumas das mais prestigiadas universidades do mundo.
Segundo um relatório do ADL Center for Antisemitism Research, 73 por cento dos estudantes judeus e 44 por cento dos estudantes não judeus experienciaram ou presenciaram manifestações de antissemitismo este ano letivo. Adam Lehman, presidente da Hilllel International, disse que estas experiências “estão a fazer com que os estudantes judeus escondam a sua identidade”.
Na audição no Congresso, quando questionada por Elise Stefanik (apontada como possível escolha de Trump para candidata a vice-presidente) sobre se a política da Universidade considerava o apelo ao genocídio dos judeus uma forma de assédio, Claudine Gay, presidente de Harvard, respondeu “depende do contexto”, referindo que Harvard só atua quando o discurso “passa a conduta”. Sally A. Kornbluth, presidente do MIT, e Elizabeth Magill, presidente da UPenn, deram a mesma resposta.
As declarações criaram uma onda de repúdio, suspensão de donativos e exigências de demissão, incluindo por parte de 74 congressistas que, numa iniciativa bipartidária, assinaram uma carta afirmando que a recusa da direção das Universidades em afastar Gay, Kornbluth e Magill seria vista como “aprovação da suas declarações” e “um ato de cumplicidade com as suas posturas antissemitas”.
Antissemitismo
Nos últimos dois meses multiplicaram-se protestos pacíficos e violentos em apoio à Palestina nas universidades americanas.
Após os ataques do Hamas, o Grupo Students for Palestine, representado em várias universidades, apelou a um dia de resistência através de um poster com um paraquedas, entendido como alusão aos paraquedas utilizados por terroristas para entrar em território israelita. Na Universidade da Califórnia, San Diego, o grupo pró-Palestina organizou uma vigília “para honrar os nossos mártires”. Na UPenn mensagens antissemitas foram projetadas em alguns edifícios e colaboradores judeus receberam emails com ameaças.
Zareena Grewal, professora em Yale, fez uma publicação no X onde dizia, a propósito das vítimas do Hamas, “Os colonos não são civis. Não é difícil”. Numa outra publicação afirmava: “Israel é um Estado assassino, genocida e colonial e os palestinianos têm o direito a resistir através da luta armada”.
Susan Abulhawa, escritora, ativista e diretora do festival de literatura palestiniana realizado em setembro na UPenn descreveu o 7 de outubro no The Electronic Intifada como uma “uma espetacular demonstração de guerrilha low tech” em que “valentes combatentes palestinianos tomaram os colonatos israelitas construídos nas suas aldeias ancestrais, vendo as terras que lhes foram roubadas pela primeira vez nas suas vidas”.
Se, segundo uma sondagem da NPR/PBS, dois terços dos americanos apoiam Israel na luta contra o Hamas, um inquérito do Economist conclui que um em cada cinco jovens americanos acha que o holocausto “foi um mito”.
Equilíbrio difícil
Na audição no Congresso, Claudine Gay afirmou: “Durante estes dias difíceis, senti que os laços na nossa comunidade ficaram tensos. Em resposta, tentei confrontar o ódio, preservando a liberdade de expressão”. Mas muitos têm questionado a invocação da liberdade de expressão à luz da política de conduta de Harvard, que regulamenta em detalhe linguagem e comportamentos. ‘Gordofobia’, ‘classismo’ ou ‘cisheterossexismo’, por exemplo, são consideradas formas de violência, e a utilização de pronomes errados uma “forma de abuso” que pode constituir assédio. Segundo o historiador Niall Ferguson, “a razão pela qual as respostas cuidadosamente elaboradas de Claudine Gay […] enfureceram os seus críticos não é por serem tecnicamente incorretas, mas por estarem claramente em contradição com o seu historial…”. Opinião partilhada por Steven Pinker: “Tecnicamente, a Claudine está certa em dizer que os alunos não podem ser punidos por cânticos políticos, mas quando Harvard & Cia. não têm qualquer compromisso prévio com a liberdade académica, a neutralidade institucional e diversidade de pontos de vista, o apelo […] a esse princípio parece incriminatório”.
No ranking de liberdade de expressão da Foundation for Individual Rights in Education de 2023, Harvard ocupa o último lugar. A má classificação decorre de casos de professores sancionados ou expulsos, candidaturas recusadas por publicações em redes sociais, ou convites retirados a oradores por posições controversas. E também de um inquérito entre os estudantes, que conclui que 53 por cento se autocensura regularmente.
‘Diversidade, equidade e inclusão’
A hostilidade face a Israel, por vezes acompanhada de antissemitismo, tem uma tradição longa nas universidades americanas. Mas intensificou-se num contexto de hegemonia cultural e académica das teorias sobre opressão sistémica que utilizam o prisma da interseccionalidade entre raça, etnia e género. O rabino David Wolpe demitiu-se do Grupo Consultivo de combate ao antissemitismo da Universidade de Harvard após a audição de Gay, referindo pouco poder fazer perante “o sistema em Harvard, e a ideologia que fascina muitos estudantes e membros da faculdade, uma ideologia que funciona exclusivamente através de eixos de opressão e coloca os judeus como opressores, e por isso intrinsecamente maus…”.
É sobre esta abordagem que assentam as políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), com um peso cada vez maior nas burocracias das universidades. O tema voltou ao debate político, e é criticado por Republicanos como Virginia Foxx, responsável pela comissão de educação na Casa dos Representantes: “Infelizmente, o sistema universitário foi capturado por uma ideologia antiamericana e iliberal que está a desenvolver e a alimentar o ódio contra os judeus”.
Paradoxalmente, as universidades têm-se tornado homogéneas do ponto de vista ideológico. Em Harvard, segundo o Harvard Crimson, apenas 2,9 por cento dos estudantes afirma-se ‘conservador’ ou ‘muito conservador’, enquanto 76,8 por cento descreve-se como ‘liberal’ ou ‘muito liberal’.
A ideia de universidade
O debate atual, na sequência de outras polémicas, é sobre a própria ideia de Universidade.
Em 2020, várias universidades da Ivy League foram investigadas por falta de transparência relativa a financiamento estrangeiro. E países como a China ou o Qatar estão hoje entre os principais financiadores de algumas das mais prestigiadas universidades americanas. Em junho, o Tribunal Constitucional, na sequência de uma ação colocada por estudantes asiático-americanos contra Harvard, determinou que a ação afirmativa, que discrimina positivamente em função de critérios como a raça, é inconstitucional.
E há quem insista que a liberdade de expressão – de colocar questões, especular, argumentar e criticar – é necessária à liberdade de investigação. Os críticos das políticas atuais (incluindo académicos proeminentes que se juntaram para fundar a Universidade of Austin, Texas) defendem uma despolitização considerando que, num contexto de pensamento único, a ciência é substituída pelo ativismo.