Cada conflito entre grandes potências parece produzir, no seu final, uma geração de governantes e intelectuais otimistas, que acreditam que as questões de guerra e da paz estão resolvidas, normalmente todos do lado vencedor do conflito, satisfeitos com a organização do sistema internacional subsequente.
Os anos de paz ou baixa conflitualidade entre grandes potências costumam decorrer de tempos nos quais os derrotados ‘lambem as feridas’ ou quando a(s) potência(s) em ascensão ainda não reúne(m) condições para assumir o revisionismo. Foram assim os loucos anos ‘20’ e os esperançosos anos ‘90’.
Se a Rússia age como um império a recompor as suas fronteiras, a China é o grande desafio estratégico ao equilíbrio do sistema internacional. Discreta e quase silenciosamente, a China aproveitou como nenhum outro a abertura económica da globalização.
A ascensão de um ator global que efetivamente questiona a organização sistémica, aliada a um contexto no qual os EUA não têm mais um consenso interno que garanta estabilidade nas suas alianças internacionais, coloca problemas desconhecidos à UE, acostumada a ter a sua segurança externalizada no aliado norte-americano.
A estes problemas, a UE reage como se nada tivesse acontecido. Perante uma Rússia neoimperial, as proclamações iniciais de maior investimento na política de defesa não tiveram real correspondência estrutural. Não há uma indústria de defesa do século XXI, nem tão pouco uma política de defesa comum: não há um interesse nacional, há uma soma de 26 interesses distintos.
A UE viveu bem como ator económico e até político quando o inimigo comum (URSS) era evidente. Os desafios atuais não são percecionados de igual forma e o novo alargamento a leste tenderá para fazer a União centrar-se ainda mais a leste, retirando visão e estratégia global.
Se o eixo franco-alemão era sobretudo continental, mais continental será uma UE com foco a leste. O Reino Unido era dos ‘grandes’ quem conferia visão global à União. Com o Brexit perdeu-se essa dimensão, restando Portugal como o único membro com tradição marítima.
Chegamos, pois, à questão central: como as alterações sistémicas e as reponderações no seio da UE implicam na ação externa portuguesa?
Portugal tem tido a sabedoria de manter abertas as suas opções internacionais, a capacidade de se relacionar com quem é diferente tem sido chave para manter uma independência com mais de 900 anos.
O peso relativo de Portugal na UE será maior, quanto maior for a sua capacidade de relacionamento com o mundo ‘extra-ocidental’. Seja no contexto de alteração sistémica pós-ocidental, seja no desafio da criação de novas instituições, alternativas às de Bretton Woods, como os BRICS pretendem (particularmente porque o Brasil tenderá a alinhar pelo revisionismo nas instituições internacionais), Portugal tem que manter as suas opções em aberto.
A nossa comunicação social, tendencialmente alinhada com o mainstream ‘ocidental’, força junto da opinião pública uma visão redutora e pouco realista do mundo. O sistema atual não é o saído da II Guerra Mundial, o peso relativo dos aliados não é o mesmo e mesmo esses aliados mudaram internamente (podendo mudar mais).
Aos políticos de hoje exige-se a sabedoria dos que souberam adaptar-se ao fim do ‘euromundo’. Depois do fascínio com Bruxelas, Portugal deve regressar à condição de único pequeno país com interesse global. Perceber e adaptar essa circunstância fará os próximos anos do país.