João Medeiros. ‘É mais comum em Mercúrio Retrógrado haver azares’

Há quem acredite que se ouve falar cada vez mais de astrologia. Quando nos reunimos num jantar de amigos existe quase sempre aquele que nos quer fazer o mapa astral. Nas redes sociais, aparecem cada vez mais referências ao Mercúrio Retrógrado. Mas afinal do que estamos a falar? O que diz de nós o mapa…

Teve uma formação de base Matemática, licenciou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa em 1998. Como surge a Astrologia na sua vida?

De facto fiz Economia, especializei-me em Estatística dentro de Economia, trabalhei no ramo quatro anos, mas já quando comecei no Instituto Nacional de Estatística tinha interesse pela Astrologia. Comecei a ler livros por causa de uma amiga que era crente e eu queria argumentar contra. Depois percebi que a Astrologia não era nada do que eu pensava. Comecei a investigar um bocadinho mais a sério e encontrei livros de Estatística de Astrologia. Foi aí que percebi que existia muita verdade nisto. Basicamente a partir daí foi uma revolução de crenças. Tinha 23 anos. Apesar de ter tido uma educação católica, não tinha uma crença sobre o que é a vida para além daquilo que nós vemos. Ou seja, se existe vida para além da morte, se existem vidas passadas, se há um projeto de vida. Foi uma revolução brutal de crenças a dois níveis… Primeiro, foram as crenças sobre aquilo que é a vida. Passei a acreditar em coisas que não acreditava, como por exemplo a reencarnação, o karma e dharma, a vida para além da morte, o projeto de vida que está muitas vezes representado no mapa astrológico… O facto do mapa astrológico conter tanta informação preciosa sobre nós em termos dos nossos potenciais, das nossas histórias passadas e possibilidades futuras. Ou seja, um choque de crenças que independentemente da vida profissional que eu escolhesse iria influenciar-me para sempre. Segundo, foi o choque de crenças por ter percebido que realmente a Astrologia é uma ferramenta inacreditável, que tinha todos os ingredientes que me assentavam que nem uma luva, uma vez que inclui Filosofia, Psicologia, Sociologia, Economia, Matemática… É uma espécie de sopa de letras de várias áreas juntas. Percebi que queria fazer isso para o resto da vida. Consegui reorientar-me em termos de caminho de carreira, embora na altura tivesse de ter a minha independência financeira e, por isso, não pudesse seguir isso logo…

Foi-se preparando…

Exatamente! Estudei durante quatro anos em escolas o mais credíveis possíveis, para depois estar em condições para arriscar trabalhar por conta própria nesse mesmo ramo, que foi o que aconteceu.

E o que é um astrólogo?

Temos de distinguir muito bem aquilo que é um astrólogo, porque há pessoas que são tarólogas e dizem que são astrólogos. São áreas diferentes. Há várias facetas de astrólogos… Há uns que encaram este trabalho como uma coisa mais oracular, ou seja, as pessoas quererem saber o que vai acontecer e o astrólogo encara uma atitude mais de previsão; existem astrólogos um bocadinho mais psicólogos, que tentam entender a pessoa, ouvi-la, ajudá-la a compreender a sua personalidade desde a infância, a perceberem as suas armadilhas em termos de padrões de atitudes e comportamentos (o que já é mais libertador) e depois existe um astrólogo que mistura um bocadinho estas duas facetas e ainda acrescenta outra que é um sentido de clareza em relação a tarefas… Ações por onde a pessoa se pode orientar para, na prática, fazer mais da sua vida.

Um astrólogo um bocadinho mais pragmático?!

Sim! Imagine: “Você tem ascendente em leão e isto quer dizer que a dança, o exercício físico, a música, etc., podem ser interessantes para si”. Ou seja, uma vertente mais “terra a terra”, mais operacional. Embora algumas pessoas que chegam até mim não percebam qual é o meu perfil, não estão à procura de alguém que veja o futuro, de um psicólogo que as oiça… Também não procuram só um coach que demore a perceber como é que eles são, mas sim uma pessoa que junte essas facetas e lhes dê alguma coisa de útil para agirem e para fazerem diferença nas suas vidas. Porque na verdade pode estar um planeta x num sítio tal e isso pode implicar uma probabilidade alta de acontecer uma certa coisa, mas essa probabilidade é tanto maior quanto maior for o foco da pessoa em agir. As coisas não caem do céu, nem dos planetas. Portanto, eu tenho uma faceta mais de responsabilidade de ação naquilo que depende da pessoa.

Existe muitas vezes uma confusão sobre aquilo que é a astrologia. Como é que o João a entende?

Astrologia é uma disciplina que ajuda a estabelecer correlações entre os movimentos celestes dos planetas e a vida terrestre. Dentro disso, há uma panóplia de áreas que podem ser estudadas nessas correlações. Vão desde psicologia individual – cada ser humano -, mas também pode haver o mapa de uma empresa, de um cão ou de um gato. Há mapas dos próprios países. Portanto, às vezes, as pessoas tendem a pensar na Astrologia como o mapa de uma pessoa, de um ser humano, mas a aplicabilidade vai muito para além disso. Por exemplo, mesmo o terramoto de 1755 de Lisboa, pode ser estudado com a astrologia. Quais eram as configurações anormais propícias a um fenómeno daquela dimensão que aconteceu naquela época? Isto quer dizer que existe uma Astrologia que estuda mais os ciclos telúricos, financeiros, políticos e sociais. A vertente menos conhecida é a oracular, apesar de ser a mais antiga. É a que as pessoas mais estranham, mas ao mesmo tempo, acham espetacular. Não depende da hora do nascimento de um ser humano, nem de uma data de um evento político. Depende de uma sincronicidade entre um pensamento de uma pessoa e a posição dos planetas naquele exato momento. É uma coisa “marada” de se aceitar, porque o paradigma do Universo tem de acontecer para que isso seja válido. Tem muitas implicações que desafiam uma visão materialista de ver o Universo. Logo, existem várias astrologias.

Os seus estudos englobam em profundidade diversos ramos e abordagens desta disciplina, em particular, as Astrologias Psicológica, Medieval, Esotérica, Horária e Mundana… Mas quando as pessoas o procuram o que é mais comum querem saber?

As temáticas são muito variadas… Há pessoas que estão simplesmente insatisfeitas com a sua vida em geral e, sobretudo, com a sua vida profissional. Portanto, sentem um vazio de significado. Podem estar bem na carreira, ou mal. Às vezes, até podem estar bem, mas estão vazias, falta qualquer coisa. Outras pessoas estão mal e sentem que não é mesmo aquilo que querem fazer. Outro grupo de pessoas traz-me claramente dilemas de relacionamentos amorosos. Outras pessoas, questões de relacionamentos familiares. Outras, questões de propósito de vida, de autoconhecimento. Não há propriamente uma temática maior. Às vezes depende do ano. Há anos em que as pessoas estão mais confusas numa área do que noutra… Se calhar eu atraio mais temas profissionais, pelo meu próprio perfil de currículo e por ser homem. Questões vocacionais, de otimização de carreira ou resultados financeiros… Mas acredito que outros astrólogos com outros perfis estejam mais inclinados para questões de relacionamentos amorosos.

O que é um mapa astral? O que ficamos a saber sobre nós através dele?

As pessoas não têm a mínima ideia daquilo que podem perceber através do mapa astral… Desde a vocação, que é uma coisa que é brutalmente importante de saber… Só por aí já valia a pena ir a uma consulta de Astrologia. Depois há uma série de outras informações, padrões e perfis de relacionamentos amorosos que a pessoa pode viver, ou atrair armadilhas nesses mesmos padrões… Padrões e questões que herdou na infância e que pode estar a copiar. Como é que a pessoa pode desbloquear isso? Até mesmo sítios onde a pessoa pode e deve viajar podem aparecer no mapa. Ou questões da intimidade ou orientação sexual. Da aceitação do “eu”. Ou seja, fica-se a saber muita coisa para além de se ver essa identidade. Quem é que a pessoa é verdadeiramente para além daquilo que os pais, os amigos, a sociedade gostariam que fosse? Também há outra informação muito pertinente: quando é que as coisas se tendem a abrir? Ou seja, quando é que há mais potenciais daqueles temas surgirem. Os ciclos, os chamados “trânsitos”.

Porque também depende sempre da ação da pessoa…

Uma coisa é uma pessoa dizer que gostava de mudar de carreira, ou que a pessoa tem perfil para a carreira tal. Outra coisa é dizer que está num ciclo de mudança profunda na carreira. Portanto, é uma altura de aproveitar. A pessoa já pode estar a sentir e faltar-lhe a coragem… É uma validação do momento, ser o momento para fazer a mudança!

O mapa está dividido em casas, certo? O que são?

Casas são áreas de vida que vão desde o “eu” e do próprio corpo, à relação com os amigos, à relação com a espiritualidade, com os filhos, com a família, com o dinheiro, as viagens, tudo o que se possa imaginar. Isso está tudo representado no mapa.

E, por norma, as pessoas que lhe chegam já sabem para o que vão? Há pessoas que julgam que vão descobrir uma fórmula mágica para alguma coisa?

Há pessoas que vêm recomendadas e têm mais ou menos uma ideia… Há alguns exercícios que eu faço nas minhas consultas que têm mais a ver com constelações sistémicas e que as pessoas não estão à espera. As pessoas poderão não estar à espera do estilo de abordagem, mas eu esclareço desde o início que aquilo não se trata de adivinhação. É um trabalho conjunto! Claro que eu faço um enquadramento técnico do mapa, dizendo quais é que eu acho que são as tendências da pessoa, mas não digo nunca: “É assim e acabou!”. Nunca digo nada de uma forma rígida e determinística. Digo sempre de uma forma probabilística.

É possível um mapa astral estar errado? Há pessoas que não se identifica com o seu mapa?

Claro que sim, e esse é um dos problemas da Astrologia. Há muita gente, sobretudo das gerações mais antigas que não sabem a hora em que nasceram. Portanto, o astrólogo tem de ter técnicas de correção do mapa. Lembro-me de um cliente que consultava astrólogos desde os 20 e tal anos e só aos 60 é que descobriu num baú do sótão, o seu livro de bebé. Percebeu que tinha nascido 45 minutos mais tarde do que aquilo que achava até então.

Isso faz toda a diferença?

Nalguns mapas faz toda a diferença! Já tive outros casos em que a pessoa estava convencidíssima que tinha nascido a determinada hora, nós fizemos as consultas com essa hora, e eu sinto sempre qualquer coisa estranha quando a hora não está certa. Uns anos mais tarde descobrem que nasceram a outra hora. É por isso que se tem de ter algum cuidado quando se interpreta. Nunca se pode dar nada como garantido. Por várias razões: uma por humildade espiritual e outra por uma questão técnica. Normalmente eu costumo validar tecnicamente o mapa quando a pessoa me chega. A pessoa dá-me a hora e eu tento fazer três ou quatro perguntas em termos de factos da vida que me permitem perceber se aquela hora é credível. Ou se a pessoa teve um desafio de relacionamento naquele ano, ou se a pessoa mudou de trabalho naquele ano. Se a pessoa me diz que “sim”, às duas ou três perguntas, com aquela hora de nascimento, eu valido. À partida é um mapa credível. No entanto, se a pessoa me diz que “não” às três, é porque eu tenho de fazer um acerto no momento com as datas que a pessoa me dá e chego a uma conclusão com um desvio de 15 minutos – normalmente o desvio não é muito grande. Se a pessoa diz que nasceu às 8h30, é normal que tenha nascido às 8h15. Demora para fazerem o registo. Mesmo assim, não é garantido que o mapa esteja correto.

Sente que os millennials trouxeram a astrologia de novo à ribalta?

No meu caso, eu não tenho muito millennials. Por norma têm pouco rendimento e não conseguem pagar as consultas. Provavelmente se tivessem, talvez pagassem. Há quem diga que sim, que eles estão muito mais abertos para estas coisas, mas nada me valida isso em termos de experiência pessoal. O que eu vejo é que a sociedade em geral está muito preguiçosa mentalmente. Querem as coisas muito imediatas e facilitadas. É verdade que há mais comunicação da Astrologia Digital… Os meios digitais e a pandemia deram um boost à Astrologia, quer pelo tema de perceber onde é que nós estamos com essa “crise”, quer por entretenimento. Sinto que a Astrologia cresceu muito nessa altura. Mas depois da pandemia fechar, o mercado retraiu-se. Agora, se há pessoas que estão mais despertas para coisas como o Mercúrio Retrógrado, há. Mas para se saber de astrologia, não se pode ser preguiçoso mentalmente. Tem de se ter profundidade e não há muita gente que esteja disposta a isso.

O que é o Mercúrio Retrógrado?

É um dos ciclos astrológicos anuais que se repetem três vezes por ano durante 20 e tal dias. E, durante esse período, há uma série de paralelismos que são mais habituais. Ficou famoso por causa disso, porque na teoria – ainda não houve nenhum estudo que eu tivesse visto estatístico sobre isso -, do meu conhecimento empírico e daquilo que estudei, é evidente que nesses períodos, sobretudo nos dias antes de começar e nos dias depois, há uma correlação maior para acidentes, falhas de comunicação, avarias, problemas de trânsito, greves, problemas com eletrodomésticos, perdas de coisas… É mais comum em Mercúrio Retrógrado haver azares, coisas que fogem ao controlo. Obrigam que haja uma mudança de planos. Além disso, também é mais propício encontrarmos pessoas do nosso passado, antigos amigos, colegas, familiares. Encontrar livros antigos, bens que não usava. Uma espécie de regresso ao passado. Embora a astrologia também diga que não é igual para todas as pessoas… Ou seja, as pessoas que têm mais ressonância com Mercúrio – as pessoas com energia de gémeos ou de virgem -, são aquelas que esse processo pode ser mais intenso. Haverá outras em que será relativamente neutro, ou até positivo. É o caso das pessoas que já nasceram com Mercúrio Retrógrado. Mas lá está, não tenho uma estatística para isso.

Lemos muitas vezes: os touro são teimosos, ou peixes são sensíveis, etc. Não existe um perigo de falsa identificação?

Sou apologista da liberdade de expressão e isso implica que possam haver pessoas a dizer disparates sobre astrologia. Ao mesmo tempo, acredito que o público irá perceber as pessoas que têm qualidade e profundidade naquilo que estão a falar, daquelas pessoas que são superficiais e que têm menos estrutura. Não acho mal que haja malta que fale só dos signos por aí, desde que não me impeçam de falar… Como em todas as áreas há profissionais bons e maus. Não podemos condenar. Eu estou nisto desde 1998, desde 2003 a 100%. Não ando aqui a brincar.