Queixava-se há pouco um político espanhol de que a grande maioria dos seus jovens compatriotas ignora completamente, apesar de estar vivo e de boa saúde, quem é Felipe González e o papel ele teve e continua a ter na vida política do país. Receio que o mesmo possa estar a acontecer entre nós, que muita gente que está a caminho da idade adulta ou que já lá está, desconheça quão importante foi o contributo dado por algumas notáveis figuras e também outras menos conhecidas da nossa terra, para que hoje possamos ter uma forma de vida que está longe de ser perfeita, que tem problemas, que o cheiro a rosas está longe de chegar a todos mas que, apesar de tudo, é a menos má, mais de meio mundo a inveja e anseia por terem direito a também a poder desfrutar. Alguma coisa deve estar a falhar para que isso esteja a suceder, para que não sejamos capazes de provocar, em todos mais novos e não só em alguns, um vivo interesse pela nossa história recente, para que não consigamos incutir-lhes que o que agora têm não apareceu feito mas é o fruto do trabalho, da inteligência, da abnegação e o sacrifico de muita gente começando pelos seus pais e avós. O meu grande amigo Quim Patricio pedia-me, outro dia, que continue aqui a contar às novas gerações como vivíamos quando tínhamos a sua idade e o caminho que tivemos de andar até chegar onde agora estamos. Claro que o farei com muito gosto se os que os mandam neste jornal o acharem, mas também penso que não é preciso ser jornalista nem escritor para que, todos os que têm algo que contar da sua experiência passada, não tenham dúvidas em o fazer, que escrevam as suas memórias, que pensem que os seus filhos e netos têm direito a saber de donde vêm, quais são as suas raízes familiares e também, porque não, a que conhecer o vivido pelos que os antecederam lhes possa servir de guia para a forma de encaminhar as suas próprias vidas, é uma boa herança para lhes deixar. Além disso, escrever sobre o que foi o tempo deixado para trás e fazer um esforço por relembrar todo o vivido é um saudável exercício da memória, enquanto a temos devemos utilizá-la não vá a ser que ela nos abandone e então já nada a fazer. Rever o filme da nossa vida é igualmente uma excelente oportunidade para, tranquilamente, fazer o balanço do que ao longo dela fizemos bem ou mal, a conclusão a que eu e quase todos os que conheço chegámos é simples: não nos arrependemos de quase nada do que fizemos mas muito, muitíssimo, do que não fizemos e que podíamos ter feito. É evidente que nem todos podemos aspirar a ver as nossas memórias nas montras das livrarias, para isso é preciso ser alguém conhecido como, por exemplo, Ferro Rodrigues, que não há muito, as publicou, mas com que as leiam os nossos familiares e amigos o dever fica cumprido. Também há várias formas de as elaborar, um amigo meu que tem vinte e tal netos optou como método, pedir a todos que lhe fizessem uma pergunta sobre aspetos da sua vida por eles desconhecidos, deu resposta a todas e com elas construiu, de forma maravilhosa, o livro das suas memórias. De uma maneira ou de outra o importante é deixar para a posteridade, o testemunho do que tem sido a nossa passagem por este mundo em que vivemos, ficaremos satisfeitos e os que o lerem muito agradecidos.
Escrever as memórias
Escrever sobre o que foi o tempo deixado para trás é um saudável exercício da memória.