Gripe A. Sem razões para alarme

‘Esta é uma época normal de infeções respiratórias’, explica o epidemiologista e professor Manuel Carmo Gomes, enquanto a médica internista e intensivista Ana Isabel Pedroso esclarece em que consiste a gripe A.

Nas últimas semanas, a gripe tem dado que falar e, principalmente, a gripe A. E não somente em Portugal: Espanha recomendou o uso da máscara e teletrabalho contra a gripe e a covid-19, os media brasileiros abordam o crescimento dos casos de gripe A desde o verão e, no Reino Unido, surgiu um caso humano de H1N2, um vírus muito comum em porcos.

Em Portugal, a afluência às urgências aumenta e a população fica preocupada com os sintomas e possíveis consequências da gripe A. No entanto, para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes ainda não existem motivos para alarme, sendo que a médica internista e intensivista Ana Isabel Pedroso (@dokinni no Instagram) explica em que consiste esta “infeção respiratória causada pelo vírus influenza”.

“Os sintomas da gripe A são semelhantes aos da gripe comum. São eles: febre, tosse, dor de garganta, dores musculares, nariz entupido, dores de cabeça, fadiga extrema e, em alguns casos, vómitos e diarreia. Esses sintomas podem variar de leves a graves e podem levar a complicações sérias, especialmente em grupos de risco, como crianças pequenas, idosos e pessoas com condições médicas preexistentes”, afirma a profissional de saúde, salientando que “há uma questão relativamente à estirpe que circula: dizem que os sintomas são mais duradouros e mais fortes, mas isto não é cientifico, esta estirpe é semelhante há que sempre houve. Há quem diga que não temos tido gripe nos anos anteriores e é por isso que esta está a ter tanto impacto”.

“É uma doença autolimitada, assim quando os sintomas são leves a moderados, é recomendado descansar, beber líquidos, tomar medicamentos que aliviam os sintomas e evitar contacto próximo com outras pessoas para evitar a propagação do vírus”, avança, continuando: “Se os sintomas forem graves, como dificuldade para respirar, dor torácica, tontura persistente, confusão, febre alta que não responde a medicamentos ou se houver condições médicas pré-existentes, é importante procurar observação médica”.

“A principal distinção entre as duas está no subtipo de vírus que as causa: o H1N1 é um subtipo específico do vírus da influenza A, enquanto a gripe comum é causada por diferentes estirpes do vírus influenza (tipos A e B). Para sabermos isto temos que fazer um teste de zaragatoa tipo o do covid”, sublinha, acrescentando que existe vacinação eficaz contra a gripe A. Isto é, a mesma contra a gripe comum.

“Esta vacina é projetada para fornecer imunidade contra várias estirpes do vírus influenza incluindo H1N1, ajudando a prevenir a doença ou, se contraída, a reduzir a gravidade dos sintomas”, frisa, esclarecendo: “Além da vacinação, em termos de prevenção, devemos ter medidas simples de higiene, como lavar as mãos regularmente, cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar, evitar contato próximo com pessoas doentes e manter ambientes limpos e ventilados. Não esquecer que o vírus transmite-se de pessoa para pessoa através de gotículas libertadas quando a pessoa fala, tosse ou espirra. A doença dura cerca de 7 dias, mas geralmente após 2 dias sem febre a contagiosidade é reduzida”.

‘Uma pequena epidemia’

“Tudo indica que estamos com uma pequena epidemia de gripe A, do subtipo H1N1. E este subtipo porquê? Provavelmente porque tivemos duas épocas em que esteve muito discreto: em 2019-2020, também tivemos em 2018-2019, imediatamente antes da pandemia. Em 2020-2021, não houve gripe praticamente. E, no ano passado, foi o H3N2 que dominou. Portanto, criou-se uma bolsa de pessoas suscetíveis ao H1N1. Em particular, as crianças que, muitas delas, nunca encontraram o H1N1 na vida. E os mais idosos encontraram, mas são mais frágeis”, explicita Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos especialistas distinguidos com a Medalha de Serviços Distintos – grau Ouro do Ministério da Saúde.

“O H1N1 entrou em força aproveitando-se destas pessoas. O último relatório do INSA vai até à semana 50 e é lá que indicam que o H1N1 é a maioria dos casos positivos de gripe que foram identificados. Estava a haver um grande aumento de casos e é provável que tenha continuado. A vacina confere proteção, moderada a alta, contra o H1N1. Convém lembrar que é um vírus que não deixa boas memórias do ponto de vista clínico: causou a grande pandemia de 1918 e a pequena pandemia de 2009. Foi agressivo e matou pessoas jovens, que tipicamente não esperamos que tenham complicações muito grandes. Foi mudando, não é igual ao de 2009: tem mutações novas”, observa. “Os sintomas são, por vezes, agressivos e duradouros. De resto, esta é uma época normal de infeções respiratórias. Tivemos uma grande subida de casos de vírus sincicial respiratório, em particular nas crianças, parece que já está a diminuir. No ano passado, tivemos o pico de gripe nesta altura. Este ano, as coisas estão um bocadinho mais graves devido à situação periclitante em que as urgências estão”, continua, sendo que segundo o mais recente relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), divulgado na última quinta-feira, 21 de dezembro, referente à semana de 11 a 17 do mesmo mês, 91,4% dos casos positivos para o vírus da gripe registados pela Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe e Vírus Respiratórios eram do tipo A, totalizando 877 casos de um total de 960. Entre esses, 106 casos apresentavam a estirpe A(H1)pdm09, a mesma que causou a pandemia de 2009, representando 84,4% dos casos de gripe, enquanto apenas sete eram da estirpe A(H3).

O relatório também destaca que, dos 224 casos de infecção respiratória aguda e síndrome gripal analisados nesta temporada pelo Programa Nacional de Vigilância da Gripe, 14,3% foram diagnosticados como gripe. Nos demais casos, foram identificadas doenças causadas por agentes patogénicos, incluindo 36 casos (16,1%) de infecção pelo SARS-CoV-2 e 16 casos (7,1%) de infecção pelo vírus sincicial respiratório. Dos 32 casos diagnosticados com uma infecção pelo Influenzavirus, 96,9% eram do tipo A, sendo apenas dois do tipo B. Na semana de 11 a 17 de dezembro, dos 16 casos de infecção respiratória aguda e síndrome gripal identificados, metade era causada pelo vírus da gripe, e nenhum foi atribuído ao vírus da covid-19.