O restaurante Bota Alta, no Bairro Alto, vai fechar. Não suporta o aumento da renda de 1300 para 11 mil euros. Vamos ter saudades dos linguados fritos com açorda, das costeletas à algarvia, do rosbife. Também se lamenta o encerramento da Casa Chineza, da Livraria Ferin, da Casa Senna, da Academia de Amadores de Música, da Chapelaria Lord, da Casa Achilles ou do Ás dos Livros. Em todos esses espaços abrirão hotéis, hostels, franchise de pizzas e hambúrgueres ou burritos, lojas de souvenirs. Coisas piores, enfim. Lisboa foi vampirizada, chuparam-lhe o sangue, sacaram-lhe a alma. Não sobrará memória, tradição, identidade, património. Pastelaria Suíça, Casa Pereira e Casa Africana. Fechou, fechou, fechou. Só mesmo a câmara municipal continua aberta….mas para quê?
Será apenas saudosismo gongórico? Vejamos: extirpada da sua cultura autóctone e dos seus nativos, Lisboa é hoje uma morta-viva ou uma viva-morta. Mas não é a única. Portugal está à venda a retalho. No Porto é igual, o Algarve já foi (veja-se a outrora cosmopolita Lagos), e por aí fora. Após ações de despejo em massa, a capital advirá uma Lisbolândia, parque temático para espetadores-consumidores que tiram acéfalas atrás de acéfalas, onde se comem pastéis de bacalhau com queijo da serra e se montam carrosséis de Zés Povinhos e Galos de Barcelos. O resto pertencerá a milionários gold, reformados endinheirados e pouco mais. A esta monocultura intensiva sobrará um fóssil. A cidade-fóssil. Por todo o lado, lojas de conveniência de nepaleses, comércio de chineses, ubers de paquistaneses.
‘Lisboa, não sejas francesa. Tu és portuguesa, tu és só pra nós’, cantava Amália. Só que não. Lisboa é dos globalistas. Tal como Madrid ou Paris. Mas muitos que choram a cidade-perdida teimam em não enfrentar as causas e culpam os portugueses que não compram nos alfarrabistas ou nas chapelarias. Ou então acusam os turistas que voltam à noite para os barcos ou apanham o avião sem saber sequer o que é uma varina ou um ardina. Chega de dedos em riste. Porém de crucificar o mexilhão. Basta de dividir para reinar. Ai o Bota Alta… muitas lojas históricas estavam às moscas e eram espaços-museu porque o comércio foi sendo drenado para os grandes centros comerciais, eles mesmos concentrações de tubarões têxteis, de restauração, etc., que tudo engoliram e nem os ossos cuspiram.
Há gentrificação e existem Lisboas sem alfacinhas ou Portos sem tripeiros porque uma fatia de leão do património imobiliário nas grandes cidades europeias está nas mãos de meia dúzia de grupos estrangeiros, fundos de investimento que olham para qualquer lar como uma vaca leiteira. Muitos dos mini mercados viraram fabriquetas de legalização de migrantes porque a ordem é receber à toa milhares sem papéis para mão de obra escrava. São os exércitos subservientes que esse grandes interesses precisam para se manterem. Não foi o gringo da sandália, o tuga do Shopping ou o ‘quer-flor’ que reduziram Lisboa à sua arquitetura, a uma mera carcaça. O socialismo morreu, o capitalismo também e os tempos são dos monopolistas, acumuladores compulsivos e apsicopatados que mandam no planeta, o 1% que detém 95%, aos quais, de uma forma ou de outra, o poder político eleito se prostra em genuflexão. Bota isso bem alto nos teus ouvidos. Vais precisar de te lembrar.