O já falecido sociólogo brasileiro Octavio Ianni deixou muito pensamento sobre a comunicação política, principalmente na relação com os media e no impacto que os atores políticos eram ou não capazes de criar com os eleitores à luz das regras da globalização comunicacional.
É da sua autoria a expressão «príncipe eletrónico». Vejamos: a palavra Príncipe é uma alusão a Maquiavel e à influência que teve junto dos Condottieri (líderes) do Renascimento. A expressão eletrónico remete para audiovisualização da vida pública, a que se juntou na última década a força crescente das redes sociais.
Marcelo Rebelo de Sousa construiu a sua imagem na política e na televisão – onde estas duas realidades nunca foram dissociáveis – como um «príncipe eletrónico». Desse ponto de vista, construiu uma história de sucesso até chegar a Belém. O primeiro mandato passou praticamente incólume: muitas selfies, beijos e abraços, Marcelo e Costa abrigados sob o mesmo guarda-chuva numa metáfora que fica como o símbolo do apoio presidencial ao governo da ‘geringonça’.
Depois da reeleição, começaram os problemas à medida que o PS, já com maioria absoluta, ia dando pretextos para um crescente mal-estar entre Belém e S. Bento.
O ponto de inflexão na imagem pública de Marcelo deu-se com o caso das gémeas luso-brasileiras. A partir daí, sem que o Presidente assumisse desde o primeiro momento um discurso coerente e não conseguindo anular, antes pelo contrário, a ideia instalada na opinião pública da ‘cunha’ presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa vê plasmada nas sondagens a maior quebra de popularidade desde que foi eleito.
Sendo ele o Presidente dos afetos, nada lhe estará a custar mais do que esse património que é um traço da sua personalidade.
Foi, portanto, um Presidente triste que vimos no discurso do Ano Novo. Não se esperava que dissesse mais do que as duas ou três mensagens que marcaram a intervenção. Mas o que se esperaria era que, no meio das adversidades e das incertezas de 2024, Marcelo comunicasse alguma esperança, nem que fosse lembrando que em 2024 vão realizar-se 70 eleições em todo o mundo, a começar já este mês em Taiwan e a acabar em novembro nos Estados Unidos. Seria uma boa ideia para lembrar que este ano será um grande teste à democracia à escala global.
Jornalista
