Igualdade e meritocracia

Por mais bem nascidos que sejam, por mais livros que tenham em casa dos pais, nem todos nascem iguais

Em tempos de forma envergonhada, recentemente de forma aberta, ouve-se criticar a meritocracia como inimiga da igualdade. Começo por notar que esta crítica assenta numa premissa completamente utópica, a saber, que é possível, com muito sangue, suor e lágrimas, criar um mundo perfeito – um mundo sem injustiças nem outros defeitos, em que todos, mas todos, viveriam em pé de igualdade, sem distinção de classes, de status, profissionais ou outras ainda. Nunca houve, nem jamais haverá, um mundo assim: a História está pejada de injustiças e sofrimento, e assim continuará. Ele houve progressos assinaláveis, sem dúvida, mas tal não deve induzir-nos na crença de que o progresso continuará indefinidamente até à realização da Utopia.

Na contemporaneidade, a Utopia chamou-se comunismo e realizou-se na União Soviética. Tinha quinze anos quando visitei Berlim Leste com os meus Pais. Era então muito pouco politizada, mas o suficiente para comparar com o que vi em Berlim Oeste. E o que vi? A igualdade: tudo pobremente vestido em tons de cinzento, sem alegria, sem o bulício das cidades, lojas com montras vazias. Fiquei industriada para o resto da vida, salvo por um breve intervalo de desaustinação provocada pelo Maio de 68, que vivi em Genève.
É claro e inquestionável que a meritocracia, sem mais, pode ser injusta. Nem todos nascem e crescem nas mesmas condições. Existem, de facto, desigualdades de partida que prejudicam muita gente que, vinda ao mundo noutras circunstâncias, poderia ir longe. A escola pública (e até as recentes creches gratuitas) pode fazer muito para amenizar as desigualdades de partida. Mas, é claro, não é o mesmo que nascer e crescer numa casa desafogada e, mais raramente, com biblioteca. Os que têm esta sorte, e que sabem tirar proveito dela – o que está longe de ser geral – gozam, sem dúvida, de uma vantagem de partida.

Que Faire?, como perguntaria Lenine. Investir a fundo na Educação, desde a creche até à licenciatura, parece-me indispensável e obrigatório. Mas não resolve tudo, como acima apontei. Até ao século XX, o critério para se aceder a altos cargos era o nascimento – as sociedades eram aristocráticas e o ‘sangue azul’ determinava o sucesso de uma pessoa. Uma sociedade meritocrática parece-me infinitamente mais justa. E seria extremamente injusto ou mesmo delirante querer abolir a ‘igualdade de chegada, como certas vozes da extrema-esquerda por vezes insinuam.

É que, por mais bem nascidos que sejam, por mais livros que tenham em casa dos pais, nem todos nascem iguais. Uns são simplesmente burros, outros são sofrivelmente inteligentes, e outros são brilhantes; uns são aplicados, outros são preguiçosos. É natural que os melhores cheguem mais alto. É a isto que se chama meritocracia; nunca houve antes na História um critério mais justo para se ascender social e economicamente. A igualdade total, à soviética, só serviu para rebaixar todos por igual. Além de ser contra-natura: não é por acaso que a elite soviética se rodeava e gozava dos luxos ocidentais adquiridos em lojas exclusivas onde ‘os iguais’ não tinham entrada. A ascensão por via do mérito é o melhor critério conhecido para se subir na vida. O resto são ou costumes do passado aristocrático ou Utopias nefastas do presente.