Existe um conceito conhecido como “Blue Monday”, que se refere a um dia de janeiro (geralmente a terceira segunda-feira) que é considerado o dia mais depressivo do ano. Esse cálculo leva em consideração fatores como clima, dívidas, tempo desde o Natal e outras variáveis. Nesta data, fala-se muito da importância da saúde mental, mas… Que relevância assume para 1 milhão e 400 mil cuidadores informais? E, mais precisamente, para aqueles que cuidam de doentes com doenças neurológicas?
“O número de cuidadores informais em Portugal é assustador. Cada vez temos pessoas mais idosas e com mais propensão para desenvolver doenças neurodegenerativas. O valor dos cuidados informais corresponde a muito dinheiro que o Estado poupa. Acho que não são devidamente reconhecidos”, diz Filomena Sousa, psicóloga clínica no CNS – Campus Neurológico. “Penso que está a ser feito um trabalho de sensibilização, mas nas consultas ainda vou recebendo pouco feedback sobre questões políticas, legislativas, etc. Durante a pandemia, por exemplo, houve apoios dirigidos a pais com filhos até aos 12 anos, mas não houve para cuidadores informais. Ficaram numa situação bastante complicada sem acesso a centros de dia e cuidadores formais. Nada disto foi encarado como uma prioridade”, sublinha.
“Relativamente ao Estatuto do Cuidador Informal, sabemos que tem de haver exigência, mas aquilo que os meus doentes e familiares me dizem nas consultas é que demora muito! É um processo complexo”, salienta, sendo que ao terceiro dia de 2022, o Presidente da República promulgou o diploma do Governo que reconhece o estatuto do cuidador informal. Em causa está a definição dos termos e condições deste, tal como das medidas de apoio a cuidadores e doentes. A informação foi veiculada no site oficial da Presidência da República e, nesta nota, Marcelo Rebelo de Sousa frisou que a promulgação em causa representa um “pequeno passo dado num domínio tão importante para muitos portugueses”. Importa lembrar que a primeira proposta foi apresentada em 2019, aquando da aprovação da proposta de Lei de Bases da Saúde. Por outro lado, apenas um pouco mais de 30% dos aproximadamente 16 mil cuidadores informais com estatuto têm acesso ao subsídio correspondente. Isso significa que apenas cerca de três em cada dez desses cuidadores estão a receber auxílio financeiro.
“É difícil os cuidadores reconhecerem que estão com dificuldades. Estão muito formatados para a função de cuidar e muito pouco para a função de olhar para eles mesmos. Logo aí temos um fator de risco. Cansaço, isolamento social, abdicar das atividades de lazer, perder horas de sono, não pedir ajuda aos outros, sinais de exaustão… Todos estes são fatores de risco para a saúde mental porque aumentam a probabilidade de perturbações ligadas à ansiedade e à depressão e do burnout”, explica Filomena Sousa. “Para além disso, pode haver doenças físicas, digamos assim, pois o sistema imunitário fica mais frágil. Muitas das vezes, os cuidadores percebem que algo não está bem porque perdem a paciência e sentem-se mais irritados, mas culpabilizam-se por isso e acabam por não pedir auxílio. Se a pessoa sente que está a ser difícil: em primeiro lugar, deve pedir ajuda à sua própria rede e entender se mais alguém pode ajudar. Em segundo lugar, pedir ajuda a um médico e/ou enfermeiro. E, em terceiro lugar, aceitar aquilo que estão a sentir. O facto de alguém reconhecer que está mal e necessita de ajuda é o primeiro passo para melhorar. Negar os sintomas não é a solução. Cuidar de si é cuidar do outro”.
“As doenças neurológicas, pelas suas especificidades, são mais exigentes. São doenças degenerativas, prolongadas e vai havendo um agravamento da sintomatologia. No início há pequenas nuances e os próprios – e os familiares – não entendem que algo está diferente. Depois notam isso, mas têm dificuldade em aceitá-lo. Posteriormente, um diagnóstico e um agravamento. Há vários lutos que têm de ser feitos gradualmente. É uma espécie de luto em vida porque a pessoa está lá, mas vai perdendo competências. Os familiares dizem ‘Está aqui, mas ele/ela já não é o mesmo/a’”, esclarece, explicitando que, “relativamente à Blue Monday, importa dizer que a saúde mental é importante todos os dias. E muito para os cuidadores informais”. “Neste dia, devem parar para refletir acerca de si e do seu ente querido e, principalmente, do estado psicológico em que estão. As pessoas pensam em ‘fazer, fazer, fazer’, mas não param sequer para pensar. E põem-se em risco, não se protegem. Se acabarem por ir abaixo não vão conseguir cuidar do outro. Cuidar de si é cuidar do outro. Centramo-nos nas doenças – e bem! -, mas não nos podemos esquecer de quem cuida”.
Os cuidadores informais enfrentam desafios significativos e estão a precisar de ajuda. Mais de 80% deles admitiram ter experienciado exaustão emocional, enquanto quase 78% sentiram a necessidade de apoio psicológico em algum momento. Surpreendentemente, apenas 42% procuraram ajuda psicológica, revelando uma discrepância preocupante. Esses dados, provenientes do estudo “Saúde mental e bem-estar nos cuidadores informais em Portugal,” patrocinado pela Merck Portugal em colaboração com o Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, destacam a importância do cuidado emocional.
Os resultados do estudo também indicam que o estado emocional desses cuidadores influencia diretamente o seu desempenho, com cerca de 80% a acreditar que a sua saúde emocional afeta a sua capacidade como cuidadores informais. O estudo, que é uma continuação de pesquisas anteriores, destaca a falta percebida de suporte psicológico adequado para os cuidadores informais em Portugal. Mesmo em 2021, mais de metade deles sentiram que não tinham o suporte necessário, impulsionando aprofundamentos subsequentes na pesquisa. A Merck Portugal, reconhecendo a importância de cuidar dos cuidadores, tem apoiado iniciativas nesse sentido. O diretor-geral da Merck Portugal, Pedro Moura, enfatizou o compromisso da empresa com a preocupação crescente de cuidar dos cuidadores informais. O Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, apoiado pela empresa, agora inclui mais de 30 associações de doentes.
Os números apresentados durante uma conferência sobre o tema também revelam que a maioria dos cuidadores informais se encontra numa situação de fragilidade emocional. Cerca de 80% deles afirmam não ter vontade de rir como antes, enquanto 63,7% sentem-se raramente descontraídos. Além disso, quase metade relatou ter a mente cheia de preocupações e quase 46% sentem-se frequentemente tensos e nervosos. Ana Carina Valente, psicóloga responsável pelo estudo, enfatizou ao Público que os cuidadores informais estão a passar por um “sofrimento psicológico” devido à exaustão, angústia e cansaço, e destaca a necessidade urgente de ajuda para essas pessoas que dedicam constantemente as suas vidas ao cuidado dos outros.