Um caso de Polícia

É verdade que em Portugal toda a gente ganha mal, mas as nossas forças de segurança estão na base da Pirâmide de Maslow dos serviços do Estado. Se não funcionam, não há ordem e a justiça não funciona. E se a justiça não funciona, a democracia não existe.

Quando era miúdo, tinha uma aversão grande a polícias. Provavelmente tem a ver com as experiências que tive com eles. Sempre me pareceram pouco profissionais (ao chamar a atenção de um jovem a importunar a sua companheira em público e ouvir um “entre marido e mulher não se mete a colher”). Também se ouvia falar muito em corrupção, especialmente no trânsito, ou pequenos abusos de poder. Talvez tudo fosse exacerbado, fruto de rebeldia juvenil, conjugado com a minha mentalidade antiautoritária e ideia do “ninguém manda em mim”. Talvez a minha má opinião deles fosse injusta, talvez não.

Isto foi nos anos 90, quando apesar de tudo os polícias tinham alguma posição de destaque na sociedade portuguesa. Ser polícia era bem visto. Era uma profissão com algum prestígio.

Hoje olho para um polícia e dificilmente sinto que estou perante uma pessoa malformada, com vontade de exercer poder pelo poder. Hoje olho para um polícia como alguém disponível para ajudar o cidadão, como um ativo da nossa sociedade. No entanto, hoje, mais que nunca, um polícia ganha mal, está mal equipado e é visto de forma extremamente negativa por uma boa parte da sociedade.

Estamos sempre a elogiar (e bem) médicos, enfermeiros, professores, mas esquecemo-nos muitas vezes desta classe profissional, sem a qual o nosso país não seria este jardim à beira-mar plantado.

Não sou especialista em segurança. Não pretendo achar que tenho uma solução para as nossas forças policiais, nas suas diversas funções. A polémica recente fez-me pensar um pouco sobre como deve ser tratada uma pessoa que se coloca em risco todos os dias, para que possamos viver num dos países mais pacíficos do mundo.

Começo por dizer o que acho que um polícia não deve ser. Um polícia não é um militar. Não devemos ceder a uma lógica ultra securitária, em que equipamos polícias como se estivessem a patrulhar Fallujah. Não lida com inimigos e combatentes. Mesmo os (alegadamente) criminosos são civis, plenos de direitos.

Um polícia lida com civis todos os dias, são apenas pais e mães que estão atrasados no trânsito, ou palermas com a mania que o mundo é todo deles. Polícias lidam com toxicodependentes, com pessoas com problemas psiquiátricos, ou pessoas em desespero… a maioria deles inocentes. É um trabalho esgotante, física e psicologicamente.

Tudo isto com uma arma ao lado e todos os problemas e anseios pessoais que tiverem, as notas dos filhos, a saúde dos pais, o dinheiro que não chega ao fim do mês.

Um polícia, com os devidos ajustes função a função, tem de ser dos recursos mais bem treinados do país. Tem de saber patrulhar, investigar, manter a ordem, lidar com civis presumivelmente inocentes, mas que podem estar alterados por efeito de drogas, situação pessoal, doença psiquiátrica e tornarem-se agressivos sem pré-aviso.

Um polícia tem de estar bem equipado. Só se pode exigir que um polícia ande sempre aprumado se todo o seu equipamento e uniforme for pago pelo empregador/Estado. Um uniforme estraga-se no decurso das suas funções? Tem outro na esquadra à espera. Todo o equipamento técnico deve estar em condições impecáveis. Seja um carro-patrulha, seja uma pistola. E sim, os polícias são parte activa nessa manutenção, mas têm de ter os meios para exigir, quando as chefias não o garantem.

Um polícia devia ser bem remunerado. Não é razoável pagar tão pouco a alguém que arrisca tanto, todos os dias. Pagar menos de 1000 euros a quem tem um dos trabalhos mais completos e complexos, a quem nos garante paz e ordem dentro da lei e democracia, é absurdo. Inventar depois subsídios de risco, de farda, de patrulha… coisas que são o dia-a-dia do polícia e que deviam estar incorporados no seu salário, sem outras considerações.

É verdade que em Portugal toda a gente ganha mal, mas as nossas forças de segurança estão na base da Pirâmide de Maslow dos serviços do Estado. Se não funcionam, não há ordem e a justiça não funciona. E se a justiça não funciona, a democracia não existe.

São pouco mais de 40 mil polícias (PJ, PSP, GNR) que precisam de melhor acompanhamento, treino, equipamento, esquadras e salários. Não conseguimos, enquanto país, garantir isso?