Portugal enfrenta um desequilíbrio alarmante na alocação de recursos para os setores de transporte, favorecendo injustamente a rodovia em detrimento da ferrovia. Essa discriminação negativa é evidenciada por diversas medidas e políticas do Governo que prejudicam a ferrovia.
A desproporção, pelo menos desde anos 90 até hoje, entre rodovia e estradas, revela um pouco o país que escolhemos ser: investimos três vezes mais em estradas do que na ferrovia. E, neste período ainda perdemos cerca de 500 kms de via férrea, enquanto o país era pavimentado por autoestradas e abastecido a diesel.
Vivemos hoje momentos de declarações de paixão à ferrovia, os nossos governantes vão ao centro da Europa e assinam papéis efémeros sobre a redução de emissões ao mesmo tempo que prometem a descarbonização dos transportes. De regresso ao país, de avião, decidem no sentido oposto às políticas com que se comprometeram.
Veja-se o que tem sucedido, apenas nos últimos anos, em Portugal: o principal obstáculo à descarbonização dos transportes é o camião. E é precisamente o camião, movido a combustíveis fósseis, que é o principal beneficiado com as políticas do Governo em matéria de transportes, em particular nas mercadorias. Na esmagadora maioria da rede rodoviária não paga qualquer valor pelo uso das estradas. Pagam, de facto, em alguns trajetos (leia-se as ex-Scuts), mas todos os anos são anunciadas novas reduções de portagens. A mais recente redução de portagens para os camiões, que teve início a 1 de janeiro foi de 22,6%. No mesmo dia, a “portagem” ferroviária a pagar pelos comboios “elétricos” ao Estado foi aumentada em 21%, a que se seguirá novo aumento de 8% já comunicado para o próximo ano. Aumento sobre aumento, ou seja, mais 30%, em menos de dois anos.
Por outro lado, vemos com frequência olhar-se para os investimentos anunciados para a ferrovia como a solução para as nossas exportações, como um instrumento de competitividade para levar as nossas mercadorias ao resto da Europa. Mas o que ninguém consegue explicar é porque é que um operador ferroviário de mercadorias paga oito vezes mais ao Estado para fazer circular os seus comboios pelos caminhos de ferro portugueses do que o Estado espanhol cobra do outro lado da fronteira.
Portugal e os seus Governos têm o seu discurso ambiental e de sustentabilidade completamente desalinhado da sua prática e decisões políticas. A Áustria, por exemplo, isentou os operadores ferroviários de mercadorias do pagamento de portagens ferroviárias, tendo como objetivo último o aumento da competitividade face à rodovia.
Já poucos se recordarão deste facto, mas foi há mais de um ano que o Governo anunciou apoios aos transportes para travar a escalada do preço do diesel e da energia. O que aconteceu desde então? Os apoios ao diesel para os camiões foram pagos. Os apoios à energia elétrica para os comboios nunca foram pagos, com a agravante de pelo menos uma empresa ter confiado na palavra dos governantes e não ter feito repercurtir os custos energéticos na fatura aos nossos exportadores, estando agora com um défice operacional.
Estranhamente, o Governo veio reafirmar que os valores já foram pagos ao transporte rodoviário, mas que no que refere no apoio aos transportes ferroviários diz tratar-se de “um processo negocial mais exigente que requer uma análise jus-concorrencial mais aprofundada”. Temos dificuldades em compreender o significado desta justificação, uma vez que essa avaliação deve fazer-se antes de dos compromissos serem assumidos. Ora, o nosso modesto contributo para o Governo é apenas um: Perguntem ao Governo Espanhol como fazer. A Medway, uma empresa Portuguesa, com sede e direção em Portugal já recebeu estes apoios por parte de Espanha. E a legislação comunitária aplica-se igualmente do outro lado da fronteira.
Para promover uma transição sustentável e eficaz, é crucial que o Governo reavalie suas políticas e comece a apoiar ativamente a ferrovia como parte integrante da estratégia de descarbonização dos transportes. A correção dessa discriminação é fundamental para um futuro mais verde e eficiente no setor de transporte em Portugal.
Do lado da economia real, dos agentes económicos, posso deixar o testemunho da Medway, a antiga CP Carga, que fez um caminho notável de investimento e compromisso amigo do ambiente com o País, desde a sua privatização, em 2016.
Portugal tem, no entanto, de criar as condições competitivas para que as mercadorias que circulam nos camiões possam passar para a ferrovia.
E não é com palavras bonitas que o País e a União Europeia o conseguirão. Precisamos de mais; precisamos de actos concretos. Precisamos de criar efectivamente essa alternativa.
Chairman da Medway