A reconfiguração dos sistemas partidários e o nascimento de formações à margem dos valores tradicionais associados à social-democracia, ao conservadorismo, ao socialismo e ao marxismo começou a desenhar-se nas últimas décadas do século XX.
De certo modo, a globalização financeira dos mercados foi uma das alavancas que levou à erosão dos antigos sistemas que durante dezenas de anos enquadraram as funções do Estado, conferindo-lhe espessura e balizando as opções dos eleitores.
Contrariamente ao que antecipou o historiador norte-americano Francis Fukuyama no seu livro O Fim da História e o Último Homem, o triunfo das democracias liberais num mundo unipolar, com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a implosão da União Soviética, em 1991, não pacificou as nações, não aproximou os povos nem resolveu o problema das desigualdades, tanto a nível mundial como no interior dos próprios países.
O próprio Fukuyama, numa outra obra publicada em 2018, Identidades, considera que “as desigualdades económicas dos últimos 50 anos de globalização são um fator decisivo para explicar a política contemporânea”.
Aqui chegados, a política do século XXI não está mais organizada em função do binómio esquerda-direita, pretendendo a esquerda mais igualdade e a direita mais liberdade. Desse ponto de vista, o voto desideologizou-se. De igual modo, perderam aresta os grandes combates intelectuais, também eles moldados pelas ideias e pelas utopias.
Quando perguntavam a Marx qual era a palavra que relevava como mais importante, ele respondia: Luta .
Sempre que a mesma pergunta era feita a Albert Camus, ele respondia: «Ruptura».
Nos nossos dias, o voto tornou-se pragmático. Os eleitores exigem dos eleitos, primordialmente, soluções que defendam o Estado Social, nomeadamente nas componentes saúde, educação e segurança social. Exigem igualmente novas políticas em matéria salarial e fiscal. Os eleitores votam nos partidos e nas lideranças que melhor asseguram as políticas redistributivas e que se configuram como mais confiáveis.
Nos últimos anos, em vários países europeus, vagas de descontentamento e de desilusão relativamente aos partidos tradicionais na área da social-democracia, que alguns politólogos definem como a política do ressentimento, levaram ao aparecimento de movimentos e partidos à margem do sistema. Em França, por exemplo, em 2017, Emmanuel Macron criou o movimento ‘En Marche’ para se candidatar às eleições presidenciais. De resto, foi nessa altura que ao lado de Macron esteve um jovem que tinha 27 anos e que se chama Gabriel Attal, hoje primeiro-ministro.
Porém, mais relevante nas últimas décadas foi a emergência de partidos que desafiaram as franjas da democracia e se apresentaram ao eleitorado como nacionalistas, xenófobos e populistas.
Em Portugal, André Ventura é o homem de quem se fala quando observamos a afirmação eleitoral do Chega, ocupando o espaço mais à direita do hemiciclo português.
Atualmente com 12 deputados, André Ventura amplifica a ambição do Chega, respaldado nas sondagens que o colocam perto dos 15 por cento e com um discurso a que, depois dos imigrantes, dos ciganos, da castração química, da subsidio-dependência e da corrupção do Estado, se junta o novo conceito da ideologia do género que é um slogan eficaz para um eleitorado que não se revê na direita tradicional, estruturante do regime, e que encontra no Chega o farol dos descontentes.
P.S. – Por lapso, na crónica da semana passada, referi o nome de António Lobo Antunes quando pretendia referir-me ao saudoso neurocirurgião João Lobo Antunes. Fica a correção e as minhas desculpas.